(7) Memórias de um Cachorrinho
- Eleonora Duvivier
- há 1 dia
- 6 min de leitura

Mamãe é mesmo inteligente! Só ela nessa família saca que eu não sou surdo! Ela diz que eu só escuto o que me interessa e é verdade. Hoje o Chris ia sair com a Maya e a mamãe logo disse a ele pra me levar também e eu fui correndo agradecer pra mamãe. Ela adora quando eu venho todo contente porque eu mexo todo o meu corpo e me rebolo, meu bum bum indo de um lado pro outro e a minha cauda e a minha cabeça também, que nem todo eu virando uma onda. “Ah que gracinha, viu só Chris? Como ele não é surdo? Veio me agradecer porque bem ouviu que eu estava defendendo a felicidade dele!”
Ela estava sentada no sofá e eu deitei a minha cabeça no joelho dela enquanto o meu corpo todo ainda se remexia de alegria e ela me dizia, “Que amor! Pode deixar que eu zelo pela sua felicidade!”
O Chris que é orgulhoso como eu e sempre tem que responder pra ela, falou:
“Contanto que você não me bote culpa!”
“Culpa de que garoto? De não levar ele? Ele te ama e eu quero ele feliz!”
“Mas ele já saiu com você!”
“Isso foi há duas horas, você acha que a cabeça do cachorro funciona assim? Na contabilidade do que já rolou? Ele fica todo rejeitado quando você só leva a Maya! E se nega a sair comigo quando você está em casa, ele tranca as quatro patas e se recusa a me acompanhar!”
Isso faz o Chris rir muito.
Mamãe sempre defende a minha felicidade. Vejo muito bem quando ela convence o Chris a me levar. E quando Tweety me deu pra ela... Ih eu não queria contar que Tweety foi a minha primeira dona! Mas agora já contei. Tweety foi de carro me comprar do cara que cria a minha raça, lá no limite entre o Colorado e Nebraska, que foi onde eu nasci. Também não queria contar que nasci em Nebraska porque a Maya nasceu por aqui na California e se acha o máximo.
Tweety veio dirigindo de volta pra casa de Boulder comigo no colo, mas eu ficava pulando nela e querendo dar beijo nela, naquela pele cheirosa e lisinha que ela tem e que tava na cara que foi feita pra eu dar beijo. Mas ela parou numa loja de pets e comprou uma gaiolinha. Falou que tinha que prestar atenção na estrada.
Eu era um filhote muito desobediente e bagunceiro, e Tweety tinha aula a tarde inteira. Ela tinha me comprado pra eu ser um cachorrinho de colo porque brigou com o namorado e queria amor. Mas eu não sou cachorro de colo! Eu tinha que correr por todos os meus domínios e mastigar todos os sapatos ali me esperando no meu caminho, e ir do quarto da mamãe lá numa ponta pra área da Tweety lá na outra ponta. Eu tinha duas casas, e adorava quando a Tweety levava amigos pra ala dela. Eu ia todo pimpão dormir na cama dela e de manhã cedo subia lá pro topo do travesseiro e continuava a dormir em cima da cabeça dela.
Isso eu faço até hoje porque é muito importante pra mim; mamãe disse que é o meu “ritual”. Sei la se é isso mas vem de uma ordem la no fundo de mim. Quando a Tweety dorme aqui, eu vou pra cama dela e de manhã bem cedo, corro pro travesseiro da mamãe e continuo a dormir na cabeça da mamãe. A mamãe disse que adora sentir a minha “respiraçãozinha” e ouvir o meu coração na cabeça dela.
Hoje ela ficou toda animada porque está lendo um livro de um tal de Jung que ela adora, e dali a pouco ela saiu anunciando pra Tweety e pro Chris:
“Viu só? Jung diz que os animais devem ter mais conhecimento da divindade do que os humanos! Eu sabia! Viu?” e ficava repetindo “Viu?” e ninguém dava bola. Aí ela ainda ficou dizendo umas coisas que eu não entendi e eles não ligaram:
“A inocência é santa! Mas o conhecimento humano com o orgulho da racionalidade é a queda do paraíso! Bem mostra a bíblia. É a nossa competição com Deus! A gente fica querendo dar a última palavra no que acontece na nossa vida usando a nossa orgulhosa razão porque tem uma coisa que se chama “imprevisto” e que ninguém aguenta! Ficam fazendo cada vez mais controle remoto pra pensarem que controlam a vida! Ninguém sabe se entregar ao que está além de nós todos! Ninguém sabe pensar de coração, alma e desapego: Seja Feita a Vossa Vontade! Só os bichinhos, não é, minha coisinha animal, quer dizer, anibom?” Ela ainda me pergunta.
Lembro essas coisas mesmo sem entender muito bem porque a mamãe fala elas com paixão. Mas eu gosto é de contar como eu sempre fui corajoso. Antes de me dar pra mamãe, a Tweety até chamou uma treinadora de cachorros pra me ensinar a não latir tanto quando me levavam pra passear. A mamãe não liga porque diz que eu tenho que expressar a minha felicidade, mas o pai da Tweety e a Tweety ficavam nervosos com os meus latidos tão altos, que iam aumentando cada vez mais pra anunciar a minha saída e todos na rua saberem que eu estava pra aparecer.
A treinadora que eles chamaram foi comigo e a mamãe me levando na coleira pra me ensinar. Quando eu começava a latir, ela voltava lá pra dentro da casa comigo. Encheu o meu saco tanto que eu fiz ela desistir. Aí ela disse pra mamãe ir comigo pra rua. Foi junto com a gente e fazia a mamãe andar um pouquinho e voltar tudo pra trás quando eu latia. Que chata! A gente ia pra frente e pra trás mil vezes porque eu continuava a latir na alegria de estar lá fora, e ela então disse pra mamãe que nunca tinha visto um cachorro tão teimoso. Mas eu não sou só um cachorro! Que mulher burra que nem isso conseguiu ver!
Numa daquelas vezes pra frente e pra trás, ela falou que ia usar um truque que não falhava. Eu senti que a mamãe se preocupou porque ela foi andando pra van dela toda importante! Tirou lá de dentro um balão enorme cheio de água. Eu senti que mamãe pensou “Será que ela vai jogar isso em cima dele?” Mas depois que a mulher disse pra mamãe começar a andar comigo, eu lati muito mais alto e ela veio com aquele balão e jogou bem no meu caminho pra me assustar. Por que eu ia me assustar com aquela água estourando na calçada? Eu era ainda filhote, mas já era corajoso pra latir pelos meus direitos e não fugia de nada.
Eu só parava de latir pra uivar. O cara que me vendeu pra Tweety disse pra ela que eu era muito vocal. Uma vez, quando mamãe tinha visitas em casa, a Tweety me prendeu no banheiro dela porque eu ainda não estava treinado a não fazer pipi na casa. Depois que eu lati até cansar, comecei a uivar e fiz uns sons muito tristes pedindo pra me tirarem dali. Então a mamãe disse pra Tweety ir me buscar porque eu tava igual a uma cantora de “opera” com os meus uivos finos de sons diferentes e altos. Todo mundo na festa riu e eu apareci todo contente. “Vem cá minha coisinha linda!” a mamãe disse toda derretida.
Eu ainda era pequenininho quando Tweety me deu pra mamãe, mas já tinha entendido que não podia fazer nem pipi nem cocô na casa. Mamãe agradeceu `a Tweety por me dar pra ela já treinado, se achou super sortuda. Mas às vezes eu ainda queria ter direito `a ala da Tweety e via aquela porta fechada na minha cara. Doía muito. Eu voltava pra cama da mamãe quase chorando e ela me deixava ficar mastigando o dedo dela o quanto eu queria. Dizia que aquilo era “terapia regressiva” porque achava que me desmamaram cedo. A tal terapia que ela inventou me acalmava, eu ate começava a dormir, depois de fazer mil barulhos só pra dizer que era bom mastigar o dedo da mamãe, e ela achava aqueles barulhos iguais à voz do tal Stitch.
Quando Tweety aparecia, eu tentava ir com ela pra ala dela e ela nem aí. Até que um dia, eu senti que já tinha me mudado pra mamãe. A Tweety apareceu e eu estava descansando do lado da mamãe e eu nem liguei!
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