464
A separação machuca. Vida sem rumo. Um 464 rasga feroz a avenida. Talvez esse ônibus que vem de longe para agredir o bairro com seu motor barulhento e seu óleo queimado seja a solução. Um pulo... Mas cadê coragem? Pode ser que com bebida...
Procura um botequim. Esse é pequeno e tem cerveja. Uma plaquinha identifica o lugar: Bip Bip. Um grupo conversa na porta. Entra. Nas paredes, fotos. Atrás do balcão, ninguém. Fora, o papo corre solto: não foi pênalti não! o tantam sempre atravessa! que mulherão! escritor é o João do Rio! a responsabilidade é do governo! esse samba é uma beleza! aí o taxista falou pro marido: se eu fosse o senhor, cobria ele pra ele não ficar resfriado. Gargalhadas.
Quer uma cerveja. Aproxima-se. Ninguém lhe dá atenção. Está mal, fica pior, mas alguma coisa o prende neste lugar. Permanece parado, olhando e escutando, e vai, aos poucos, se sentindo mais um. Mágica do ambiente, das pessoas, das palavras? De repente, uma voz rouca: pois não, cavalheiro. É o baixinho de cavanhaque, sentado junto à porta. O mais falante, o mais agitado. Uma cerveja? Pega lá. Pega lá? Silêncio. Fica sem jeito. Olha para trás e vê o lá. Dois freezers. Abre um deles e ouve o grito: a gelada é no outro! Uma latinha. Quer pagar. Dinheiro na mão, ignorado. Alguém o socorre: dá o nome pra ele e paga quando for embora. Nunca vi isso! Que bar é este? Senta. Não pode sentar aí não! Aí é pros músicos. Músicos? Tem música aqui?
Vão chegando violões, cavaquinhos, pandeiros. “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor...”. A roda começa. Não acredito! Estou no céu? Será que o 464...? Muitas pessoas se aglomeram do lado de fora e, em pé, espremidas, cantam junto com os músicos. Desconforto? Quem liga pra isso? “Eu canto samba porque só assim eu me sinto contente...”. Importante é estar e participar. A moça do lado tem voz bonita. “Bate outra vez, com esperanças o meu coração...”. Puxa conversa e ouve um pchiiiiiuuuuuuuuuuuu geral. Cerveja e cerveja e cerveja. Porra!!! Encosta a bunda na parede!!! Não dá pra fechar a passagem!!! Leva um esporro. É batizado. O canto continua. “Vivendo, estamos vivendo, lutando pra justificar nossas vidas”. Início da madrugada, um lindo samba encerra a roda: “Eu não sei negar amor nem resistir...”.
Na volta pra casa, a lembrança do até domingo carinhoso da moça de voz bonita. “Amor, eu queria te dar, o sistema solar e o fundo do mar...”. O coração em paz recebe o sorriso da lua no céu de Copacabana. Um 464 passa voando, mas ele nem percebe.
Ouça a música Quem Me Acordou, de Paulinho do Cavaco
e Luis Pimentel. Repertório Cedro Rosa, disponível para gravações e trilhas sonoras.
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