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A CULTURA DOS GOVERNANTES


José Luiz Alquéres, editor

  

            Nos últimos anos generalizou-se nos meios políticos, no Brasil e no exterior, o conceito que para ser governante do País ou das suas principais cidades bastava o cidadão ter “representatividade”, um termo vagamente conceituado como uma mistura de origem comum e identidade com seus eleitores. Passou-se a desprezar completamente os atributos mínimos de competência, para não entrarmos no território dos valores éticos, que são considerados necessários para a gestão das complexas organizações que se tornaram os Estados.

 

            Na antiga Grécia, Platão, no seu livro “A República”, já empregava a metáfora de uma nau enfrentando uma difícil tempestade para realçar que, se o critério de escolher o capitão fosse a representatividade, ele deveria ser um dos remadores, parte mais numerosa da tripulação, ao invés do mais experiente comandante, em geral, um apto piloto.

 

            Avançando em considerações semelhantes, Sócrates e seus interlocutores naquele Diálogo escrito por Platão na sua admirável prosa, chegam à conclusão que as cidades/estado deveriam ser governadas por reis-filósofos, ou seja, pelos homens mais capazes dentre os seus habitantes. Filósofo tem o significado de amante da sabedoria, portanto alguém que não apenas tem conhecimentos, mas que ama os ter. Sem isso estariam inexoravelmente fadadas ao insucesso.

 

            Adquirir conhecimentos requer estudo permanente, experiências de vida, capacidade de ouvir e interpretar os mais sábios e, assim, ir se formando para as complexas tarefas que a vida impõe. Há que se refletir continuamente sobre essas vivências, pois uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida.

 

            Barak Obama em uma entrevista fortuita, em 2015, com a escritora Marilynne Robinson, a ela dirigiu uma pergunta que é uma verdadeira lição de sabedoria: “Você é alguém que se preocupa com o fato de as pessoas não lerem mais romances? E você acha que isso tem impacto na cultura? Quando penso em como entendo meu papel como cidadão, deixando de lado a função de presidente, o conjunto mais importante de entendimentos que trago para essa posição de cidadão, as coisas mais importantes que aprendi, acho que aprendi nos romances. Tem a ver com empatia. Tem a ver com estar confortável com a noção de que o mundo é complicado e cheio de áreas cinzentas, mas ainda há verdade a ser encontrada, e que você tem que se esforçar para isso e trabalhar para isso. E a noção de que é possível se conectar com outra pessoa mesmo que ela seja muito diferente de você.”

 

Barak Obama, graduado pela Universidade de Harvard e ex-senador, valorizava, portanto, nessa intervenção, o peso fundamental da cultura que adquiriu lendo livros, o que me fez lembrar, com saudades, do antigo presidente FHC, professor da Universidade de São Paulo, que levou esse respeito pela cultura ao mais alto posto da nação.

 

Nesse território de governar complexas entidades não é possível se imaginar que através da improvisação, bate papo em torno de uma mesa de botequim ou metáforas com partidas de futebol, se possa resolver as grandes questões de um país e, menos ainda, irresolvidos conflitos milenares no plano internacional.

 

Aceitando com humildade a lição de ser democrático, devemos esperar que qualquer governante que venha a ter a responsabilidade de conduzir os destinos de uma grande nação, como o Brasil ou os Estados Unidos, ou, mesmo de uma grande cidade, como o Rio de Janeiro ou São Paulo, deva primar, se não pela cultura e educação, pelo menos pelo reconhecimento de suas limitações e busca de parceiros dignos e competentes que o auxiliem na tarefa que as circunstâncias fizeram cair no seu colo.

 

As próximas eleições municipais certamente vão colocar o destino de milhões de brasileiros nas mãos de pessoas absolutamente incapazes de governa-los. Esperemos que essas pessoas tenham o bom senso de saber se cercar de bons auxiliares, o que pode nos trazer resultados surpreendentemente bons.



 

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