Lá e Cá
Há pouco mais de 200 anos, um jantar reuniu alguns dos grandes políticos conhecidos como os “The Founding Fathers” da então nascente nação americana.
O governo provisório da época, presidido por George Washington, possuía apenas três órgãos centrais: a Secretaria do Tesouro, ocupada por Alexander Hamilton, a Secretaria de Estado, ocupada por Thomas Jefferson, e a Secretaria da Guerra, ocupada pelo General Knox.
Além desses três últimos Secretários, o quarto membro do jantar era James Madison, advogado da Virgínia e líder no Congresso.
O objetivo do encontro era obter um consenso para votação no Congresso, no dia seguinte, de pontos importantes para a definitiva ratificação da Constituição pelos Estados.
Os temas que se discutiam eram consequências importantes da bem-sucedida guerra da independência. Os Estados debatiam se deveriam se constituir em uma “união” ou se continuariam na base de “cada um por si”. Complementarmente, havia a questão de qual cidade seria a capital do país, com forte disputa entre Nova York e Filadélfia e, ainda, discussões sobre a inclusão de novos artigos limitando o poder central e a questão do voto dos escravos, além do crucial equacionamento do pagamento dos títulos da dívida pública dos Estados, emitidos para financiar a guerra da independência.
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A posição de Secretário do Tesouro era de extrema importância porque, uma vez formado um governo nacional (lembrando que era uma instância ainda não existente), a proposta levada por Hamilton era a da consolidação de todas as receitas aduaneiras e alfandegária neste novo âmbito dos “Estados (agora) Unidos”. Em contrapartida, assumiria as dívidas pulverizadas entre os vários diferentes Estados componentes da nação contraídas no início da guerra sob forma de títulos públicos. O nó da questão estava no fato de alguns Estados já terem quitado suas dívidas - sendo então prejudicados nesta proposta, enquanto outros permaneciam devedores - e, assim, levariam vantagem.
Um argumento de Hamilton, representante de um Estado mercantil como Nova York, era o fato deste jovem país precisar ter crédito internacional. Era preciso conquistar credibilidade. Os outros, Jefferson e Madison, porém, mostravam-se contrários, pelo fato de a proposta beneficiar os inadimplentes e, eles, por sua vez, eram da Virgínia, que estava em dia com suas obrigações financeiras. Havia o argumento que os títulos originais da dívida de cada Estado já não mais estarem nas mãos dos compradores originais (que os haviam adquirido com o legítimo intuito “patriótico” de fortalecer seus Estados locais). Estes títulos, então bastante desvalorizados - sem esperança de receber qualquer pagamento, haviam sido revendidos para especuladores financeiros. Banqueiros de Nova York, já então local que congregava os atores das finanças e do comércio - e, também, praça eleitoral do próprio Hamilton, que insistia na tese de que os títulos emitidos deveriam ser honrados (música para os ouvidos dos banqueiros e especuladores).
Madison se colocou contra a proposta de Hamilton, embora mais tarde tivesse reconhecido que ela realmente fazia sentido. Seu ponto, porém, era que a Virgínia já tinha liquidado sua dívida e se veria prejudicada com o arranjo. Madison naquela ocasião defendia outro interesse particular. Um dos pontos da pauta era o local da futura capital sede do novo país. Alguns defendiam Nova Iorque, outros a Filadélfia ... enquanto o próprio Madison defendia que ela ficasse em uma área que margeava o Rio Potomac - o que, de fato, acabou ocorrendo, conforme negociado naquele encontro. Não por acaso, verificou-se depois que ele próprio havia investido em terras extensas naquele local.
Thomas Jefferson, um homem brilhante, verdadeiro gênio, também da Virgínia, de comportamento político muito dissimulado, se mostrava especialmente preocupado com a criação de uma União muito forte em detrimento dos direitos individuais. Ele e a bancada da Filadélfia defendiam a inclusão de “Amendments” (aditamentos) à Constituição aprovada em caráter preliminar. Estes aditamentos ganharam em conjunto a denominação de “Bill of Rights”, uma espécie de lista dos direitos do cidadão norte-americano contra eventuais abusos do governo central.
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Jefferson, também do estado da Virgínia, apoiou Madison na escolha da capital às margens do Potomac. Como cidadão fazendeiro rico de sua época, possuía escravos e, defendendo seus interesses de “proprietário”, conseguiu negociar nesse jantar a inclusão de cláusula que equiparava três votos de pessoas brancas à cinco votos de pessoas negras - o que garantia sempre a prevalência das posições da minoria branca nas eleições de vários Estados do sul do país. Hamilton, vindo de um estado do norte, era contra, mas acabou cedendo. O quarto membro do jantar, o General Knox, “entrou mudo e saiu calado”, após ingerir uma garrafa de vinho.
Entre acertos e mútuas concessões - no melhor estilo do chamado “Centrão” brasileiro - estas partes negociaram durante o jantar o que seria, na visão de cada um, o melhor possível para os Estados, para a União e, naturalmente, para seu interesse pessoal. Virgínia levou a capital definitiva para as terras na margem do Potomac. Nova York perdeu o direito de sedia-la provisoriamente por dez anos em benefício da Filadélfia. Hamilton levou a dívida toda para o governo federal, o que o tornou muito popular com os governos estaduais que se sucederam e com os banqueiros, especialmente de Nova York. A dupla da Virginia, por sua vez, manteve seus escravos por mais 80 anos, até a abolição.
No dia seguinte, na votação, a Constituição foi ratificada com os ajustes acertados naquele jantar, embora Jefferson e Madison, ambos futuros presidentes da república, tivessem se tornado inimigos eternos de Hamilton, a quem nunca mais encontraram socialmente.
Com isso, concluímos que mesmo no “país modelo”, pátria da democracia e preservação dos direitos individuais, há, já de início, uma marca clara de que objetivos desejáveis de se alcançar são bem diferentes de objetivos atingíveis, especialmente quando se reúnem partes com interesses conflitantes. O esforço para se fazer valer a democracia plena requer, com certeza, muito diálogo, negociação e o permanente aperfeiçoamento de ferramentas que garantam que o interesse público prevaleça sobre qualquer interesse pessoal. No Brasil de nossos dias vemos com triste frequência a inversão desta lógica nos processos decisórios governamentais.
Como disse Winston Churchill em 1947, “A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais formas que têm sido experimentadas ao longo da história”.
O trabalho para garanti-la deve ser constante e o olhar vigilante da sociedade civil é indispensável.
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