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Foto do escritorJorge Cardozo

A Noite Mais Longa



24 de junho de 2024. No hemisfério sul, a noite mais longa. O solstício de inverno. Quase início do ciclo canceriano. Santo Antônio, São João e São Pedro são os ícones cristãos católicos que representam – e substituem – os poderosos regentes (cultuados através dos tempos) desta passagem de meio de ano.


Noutros tempos acenderíamos fogueiras e dançaríamos a sua volta, hipnotizados pelo bailado das chamas. E não falo das lonjuras da Guiné, de Beltane ou do Pindorama não.


Lembro dos quintais da minha juventude. Pai trazia pólvora sei lá de onde. Mãe fazia broa de milho e canjica. Nós, os filhos, já tínhamos catado as folhas de pindoba e os galhos caídos no morro da jaqueira, que ainda era verde e vazio de casas. A pindoba servia para decorar o quintal e aumentar a sensação de estar na roça. Os gravetos eram fundamentais na arquitetura da fogueira, cuja base era composta de troncos e galhos mais robustos recolhidos e guardados durante meses para este fim.


Vizinhos às vezes e alguns amigos convidados. Cada um trazia uma prenda. Era de lei. Porção de pasteizinhos, cuscuz de tapioca, manjar branco, pudim, bolo de aipim, milho na espiga e batata doce...


Sem contar as bebidas: quentão, batidas do Primo, que os adultos compravam em Nilópolis. Uma mistura cremosa de aguardente com frutas. Vários sabores: caju, maracujá, amendoim e a campeã das campeãs, calcinha de nylon – nunca soube de que era feita.


Não havia muito plástico nesse tempo. Os copinhos de vidro serviam para café, refresco, quentão ou batida. A canjica, pura, com coco ou com amendoim, era servida em pratos de louça. Os bolos, vindos em tabuleiros de metal, era na mão mesmo.


A música começava cedo. Numa vitrolinha velha o eterno disco Músicas de São João.  Acesa a fogueira, a festa começava de verdade. Todos se aproximavam para espantar o frio e apreciar a beleza das labaredas. E sempre algum engraçadinho fazia a pergunta absurda: “quem vai pular a fogueira?”


O ponto alto era quando a fogueira começava a desmoronar. A pólvora trazida pelo pai era jogada sobre o fogo e estalava, soltando fagulhas, que nós, ingênua ou poeticamente, chamávamos de estrelinhas. 


Aquecidos e animados pelos comes e bebes, adultos, jovens e crianças se deixavam levar pelo momento mágico. Uns dançavam, outros batiam palmas. Havia mesmo quem fizesse movimentos bizarros com o corpo: mãos para trás, pernas arqueadas, cabeça e tronco a subir e descer, imitando uma suposta dança caipira. Acho mesmo que toda ancestralidade se fazia presente. As lonjuras esquecidas se encontravam no quintal suburbano. Ritos tupis, danças de negros tus, celebração nagô, memória de celtas, incas, maias, mouros...


Cansados e felizes, restava aos convivas uma última aventura antes do descanso e do retorno ao insípido cotidiano: caçar entre as brasas as batatas doces e as espigas de milho assadas. 


Com um pedaço de pau ou com um garfo comprido remexiam os carvões quentes como se ali pudessem encontrar um derradeiro tesouro. Disputavam avidamente cada pedaço de alimento meio tosqueado que daqui a pouco iriam dividir da maneira mais generosa.


Alguns, de brincadeira, pulavam o montículo de brasas, sobra da antes portentosa rainha da festa, consumida em seu próprio fogo, em sua própria exuberância, metáfora talvez de nossas próprias vidas, em sua trajetória de aquecer, iluminar, nutrir; em sua impermanência. 


Sem fogueiras.  Sem quintais.  A Cidade comeu tudo.

 

Jorge Cardozo 


 

Cedro Rosa: Impulsionando a Economia Criativa e Cultura Global

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1 comentário

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Este texto é maravilhoso. Um caleidoscópio mágico de imagens e impressões multicores, carregado de intenso significado emocional - embora surpreendentemente lúcido! - uma verdadeira FESTA para os sentidos; QUASE é possível sentir o cheiro e o sabor das batatas doces, deliciosas, assadas!


O autor nos leva carinhosa e intimamente pela mãos nesta "good trip" única, de volta a um passado nem tão remoto assim, mas, como todo ACONTECIDO, irrecuperável... A menos nos bons sonhos, onde somos plenamente livres para nos projetar nos braços caprichosos do deus Tempo tanto para trás, quanto para frente, no vislumbre imaginário do que gostaríamos de vir a experimentar.


Porém, discordo gentilmente de um ponto ao final do texto, onde - talvez o excesso de lucidez…


Edited
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