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Foto do escritorLéo Viana

APOSENTADO


Saiu a aposentadoria!!!


Comemorou sozinho lendo o Diário Oficial de sexta, já na segunda de manhã.

Demorou mais que o esperado. Não imaginava o quanto seria sofrida a fase final da carreira que abraçara quase involuntariamente. Os 30 anos em sala de aula renderam diversas homenagens, muito mais que o previsto, mas incontáveis noites mal dormidas e caixas e caixas de remédios diversos – tranquilizantes e estimulantes, alternadamente – além de inúmeros chás recomendados por tias e vizinhas.


Aquela primeira manhã sem precisar checar diários ou consultar as fichas de aula, já num tempo em que a maioria dos professores nem fazia mais uso dessas coisas, só não foi melhor porque, habituado ao café na padaria ao lado da Escola Estadual, não tinha nada em casa para o desjejum. Problema de solução fácil. Desceu, cabelo amarfanhado e olhos meio fechados ainda, e entrou no mercadinho ao lado de casa, de onde saiu com queijos, pães, iogurtes, frutas e outras delícias com as quais já não se encontrava havia tempo.


O computador velho não era o ideal para acompanhar notícias pela internet. Muito menos o telefone celular, cuja capacidade se limitava às ligações. Precisava modernizar-se até pra ficar em casa, pensou. Por ora, nova descida à rua pra comprar o jornal.

Nosso personagem, como referido acima, iniciou uma improvável carreira no magistério após concluir o curso de História numa grande universidade pública carioca. Lá, era mais conhecido pela habilidade no futebol e pela disposição para grandes caminhadas, já que nem sempre tinha o dinheiro da passagem.


Sonhava mesmo fazer fama e dinheiro com a bola, mas não houve jeito. Primeiro de uma pobre e grande família a ingressar no ensino superior, nem esperou a conclusão do curso para inscrever-se no primeiro concurso, para a Secretaria Estadual de Educação. Aluno mediano, foi aprovado. Sortudo, foi chamado imediatamente após o término do curso. O segundo concurso, para o magistério municipal, foi feito em seguida. Antes que completasse um ano de graduação, já tinha 32 horas de aulas por semana pra cumprir.



 

Que cantoras maravilhosas! Nao se escuta esse tipo de musica facilmente hoje em dia!

 

Jovem e bem disposto, acabou se revelando um grande professor. Dinâmico e querido pelos alunos, sua fama alcançou as boas escolas particulares, que passaram a caçá-lo para seus quadros. Vários emissários foram enviados a ele, que terminou aceitando um contrato, com valor excepcionalmente alto de hora/aula, em uma escola de elite da Zona Sul, onde completaria a carga horária da semana. Isso lhe garantiu uma elevação imprevista no padrão de vida. Não tinha mais tempo, mas agora tinha uns trocados a mais no bolso.

Um certo desprendimento material, algumas desilusões pessoais e um crescente descontentamento generalizado o fizeram mergulhar de cabeça na atividade docente, fazendo-o buscar em sala de aula o alento para as dores da alma.


Formar aqueles meninos e meninas, ou dar a eles elementos suficientes para que compreendessem o seu tempo, passou a ser o único objetivo de uma vida já distante dos prazeres mais mundanos. Afastou-se dos amigos, não conseguiu manter as diversas relações amorosas iniciadas, mantinha com a família um contato que se limitava a transferências mensais para os pais ou outros parentes em dificuldades.


Apesar da seriedade com que encarou o magistério, mesmo sua formação continuada ficou prejudicada, na medida em que não abria mão de estar com seus alunos todo o tempo. Em 30 anos, não se afastou para especializações ou pós-graduações. Fez alguns cursos de férias, uma ou outra viagem que, acreditava, pudessem contribuir com o conteúdo que deveria passar a seus meninos e meninas. Seu único e exclusivo prazer estava ali. Os alunos, de modo geral, retribuíam, com seguidas homenagens ao professor, o que inclusive causava certo ciúme nos colegas de profissão. Os primeiros 25 anos de carreira se passaram num pulo, dessa forma, com dedicação desmedida e prazer infinito diante de meninos e meninas aplicados.


Foi então que uma pequena mudança começou a ser notada. Nada que alterasse o seu comportamento diante das turmas, onde se mantinha o mesmo mestre aplicado, preocupado e dinâmico, que fazia mesmo os adolescentes mais dispersos se interessarem pelos Impérios Romano e Otomano, pelas revoluções francesa, industrial, russa ou cubana, pelos sucessivos golpes militares na América Latina, pelas guerras civis e revoluções que antecederam ou sucederam as independências dos países da África, pelas duas grandes guerras mundiais, Vietnam, Coréia, Iraque, Afeganistão, Solidarnosc, Perestroika, Glasnost, Egito, Pérsia, Abissínia, grandes navegações, tráfico negreiro.


 

Como eu amo escutar música instrumental!

 

Mas havia uma mudança. Antes animado, ao contrário da maioria dos outros, nos encontros na sala dos professores antes e depois das aulas, agora parecia meio jururu. Nunca fora de se abrir, de falar de problemas pessoais, mas seu entusiasmo pelo magistério, se não contagiava os demais, ao menos funcionava como uma espécie de despertador naquele ambiente pesado.


O impacto foi sentido nas três escolas. Um professor de matemática, que dava expediente com ele na municipal e na particular, chegou a questionar se era alguma coisa com os colegas, ou com a escola. Mas ele desconversou e disse que estava tudo bem.

No segundo mês de tristeza aparente, as direções das escolas, em uníssono, ofereceram uma licença ao professor, como reconhecimento pela inequívoca contribuição que ele havia dado ao longo dos anos. Ele rejeitou de pronto! Não abandonaria “as crianças”, como ele chamava as turmas.


A preocupação foi geral. O motivo da tristeza era desconhecido, mas de certa forma afetava a todos. Somente os alunos não notavam qualquer diferença. Talvez até mesmo um aumento no entusiasmo com que o conteúdo da disciplina era exposto pelo professor. E foram anos de muitos filmes, representações teatrais, objetos, fotografias, livros originais de época, qualquer coisa que tornasse cada vez mais atraentes aqueles temas normalmente enfadonhos pra quem vive a dinâmica do mundo contemporâneo. E sempre com sucesso.

Mas as escolas, agora já unidas institucionalmente com o objetivo de salvar um de seus quadros mais destacados, insistiram em fazer alguma coisa por ele. E foi num esforço conjunto que a escola particular ofereceu um psicólogo para buscar um diagnóstico.


Reconhecidamente e tradicionalmente desprovidas de recursos financeiros, caberia às duas escolas públicas a cessão de espaço e a criação de oportunidades para que as conversas ocorressem sem criar alarde entre os alunos e colegas, bem como o convencimento ao paciente sobre a efetiva necessidade daqueles encontros, visto que ele continuava a negar que algo de errado estivesse acontecendo.



 

Esquentando os tamborins...só uma roda de samba pra me alegrar!

 

Corria o ano de 2015. O noticiário se ocupava, diuturnamente, de inviabilizar definitivamente o governo da então presidente Dilma Roussef, reeleita no ano anterior. Jornalistas de opinião colocavam as suas a serviço das forças contrárias ao governo de Dilma, não importando se cabiam aí Aécios e Cunhas e Temers.


Ao chegar à escola municipal numa tarde de quarta-feira, estranhou a sala dos professores vazia e o estranho sentado lá. Fez um cumprimento monossilábico e sentou-se. O outro não tardou a iniciar uma conversa amigável. Foi mais fácil do que o psicólogo imaginava. Em vinte minutos de papo descontraído, ficou claro o que atormentava nosso professor.


Comprometido com a elaboração de um relatório ao fim de três semanas, o psicólogo iniciou seus escritos, mas não deu ciência ainda aos diretores das escolas, eles mesmos responsáveis diretos pela empreitada, sem delegar a coordenadores pedagógicos ou outros pares.


Aquele professor era uma das estrelas da companhia, merecia tratamento diferenciado pelo bem que notadamente fazia aos jovens sob sua tutela nas aulas de História. Não eram raros os casos de diplomatas, professores universitários, pesquisadores, artistas e empresários, em geral bem sucedidos, que voltavam para agradecer. Alguns mesmo com polpudas e imprevistas doações às escolas públicas. E era sabido que, no conjunto dos professores, havia uma clara deferência ao professor de História.


Definido o campo de jogo, a segunda conversa aconteceu exatamente nos mesmos dia e horário, novamente com a surpreendente sala dos professores vazia no horário de início das aulas da tarde. Foi possível aprofundar um pouco mais. Sem se apresentar como psicólogo, o que prometia a si mesmo fazer na terceira e última “sessão” não combinada, ouviu mais do que imaginava até o fim da missão.


O terceiro encontro foi abortado.


As coisas voltaram ao normal, as salas de professores tomadas de gente imediatamente antes das aulas, as aulas de História vibrantes e participativas. O professor seguia triste em todos os momentos em que não estava em sala de aula.



 

Hum... uma Roda de Samba de Mulheres... Quero Escutar!

 

O relatório, em linguagem coloquial, foi apresentado aos diretores e compartilhado com todos os colegas, das três escolas.

“O professor X, docente deste estabelecimento escolar e de outros dois, responsável pela disciplina de História de turmas de ensino fundamental e médio, apresenta domínio pleno de suas funções mentais e segue sendo capaz de atuar em nível elevado em sua atividade profissional. De acordo com os relatos dos colegas, houve alteração notável em seu comportamento social, com visível retraimento na relação com os demais professores e demais servidores dos estabelecimentos escolares. Tal comportamento não foi notado na atividade docente, tendo sido mantida, e aparentemente até evidenciada, a sua boa relação com os estudantes, a dinâmica das aulas e demais características que o tornaram, no dizer unânime dos pares, um “elemento diferenciado”.


Em um total de 45 minutos de conversa, foi possível depreender que seu conhecimento de História, a disciplina a que dedicou a vida, encontra-se no cerne da relatada tristeza. Informalmente, relatou preocupar-se tremendamente com os destinos dos jovens atualmente sob sua responsabilidade, considerando que não parece estar longe o momento em que, sob um congresso notadamente composto por parlamentares defensores de políticas conservadoras, pode ser cassado o mandato da Presidente Dilma.

De acordo com ele, “não se pode esperar coisa melhor onde há uma Câmara presidida por Eduardo Cunha, bandido notório.”


“Ato contínuo, considerando a tomada de poder pelo vice-presidente Temer, deve ocorrer o esvaziamento das políticas sociais do governo, que são responsáveis por grande parte do sucesso desses meninos e meninas de quem cuido aqui”, ele continuou.

Ao fim do mandato ilegítimo de Temer, a sociedade brasileira, após ter sido bombardeada pela mídia sobre os aludidos crimes do governo Dilma, aliás provavelmente irrisórios (ou mesmo inexistentes!) se comparados aos que com certeza ocorrerão no governo Temer, identificado como sucessor direto de Dilma, votará em um candidato de direita, algum tipo messiânico. Não sem que antes essa operação que se iniciou em Curitiba impeça a candidatura de Lula, o único que possivelmente poderia voltar a unir o Brasil. Isso me deprime profundamente.


Ter passado tanto tempo estudando os Cláudios do Império Romano, o fascismo, a idade das trevas, os antecedentes da Revolução Francesa, a Guerra de Secessão, as caças às bruxas, tanto na idade média, com a execução de Giordano Bruno, por exemplo, como na guerra fria, com os golpes sobre a América Latina baseados numa abstração de comunismo que apavorava os puritanos protestantes americanos, me fez perder a confiança no futuro. Faltam cinco anos pra eu me aposentar. Vai que quando eu completar os 30 anos, o presidente seja esse tal de Bolsonaro, uma besta quadrada defensora dos milicianos aqui do Rio? Devem ter te falado que ando triste. Entende as razões da minha tristeza?


Nestes termos, após transcrição literal de suas palavras, entendo que o paciente não apresenta nenhum distúrbio aparente e pode seguir com suas atividades normalmente, ainda que, cumpre observar, sua perspectiva de futuro seja um tanto quanto pessimista, mas essa é uma característica observada em muitas pessoas e não caracteriza necessariamente um estado depressivo ou paranóico.

Por dever de ofício, sou um otimista. Em suas previsões, tamanho o pessimismo, em dado momento ele parecia disposto a incluir até uma pandemia de grandes proporções.

Típico delírio de exagero, sem maiores consequências”.


Aposentou-se.


Lamenta até hoje não ter percebido que alguns alunos, algumas das “crianças”, marchariam unidos com aqueles que levariam o Brasil à condição de pária internacional, quase nação inimiga de todos, negacionista, mais próxima da guerra fria que do clima de multilateralismo defendido por grande parte do mundo. Afinal, era professor, não vidente.


Agora acordava para o primeiro dia do restante de sua vida. Na primeira segunda-feira de março de 2021.


Não esqueceu a máscara ao sair para o mercadinho.


Rio de Janeiro, Abril de 2021.


 

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