Bezerra da Silva. O malandro amigo (1)
Bezerra da Silva é uma história a parte. Ele gravou dois sambas que fiz em parceira com os compositores Pinga e Guilherme do Ponto Chic. Eles integravam a ala de compositores da Leão de Nova Iguaçu, uma escola de samba que nascera do bloco Leão de Iguaçu, agremiação que fez história nessa categoria. Os dois também pertenciam à ala de compositores da Estação Primeira de Mangueira. Isso pra mim já foi uma honraria. Mas como um poeta mediano de Nova Iguaçu, que pouco ou nada conhecia dos meandros e descaminhos do complexo mundo fonográfico, seria gravado por um dos grandes nomes do Samba? Voltemos alguns parágrafos.
O Samba (e a música em geral), esteve presente na minha vida desde sempre. Meus avós, meus pais, meus tios, tinham no rádio um companheiro quase inseparável. Ouvia-se de tudo e o dia inteiro. A indústria fonográfica daquele tempo parecia menos feroz que nos tempos que vieram depois. Éramos uma família musicalizada e não eram raras as noitadas de ‘arrasta-pé’ lá em casa. Meus pais adoravam.
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A afeição pelo Carnaval, outra mania da família, acabou me levando a frequentar ambientes de Samba como bares, quadras de blocos e de Escolas de Samba. E nesse caldo, acabei seduzido também pela arte de compor. Como não dominava nenhum instrumento, arriscava minhas próprias melodias de forma intuitiva. Um dia li uma entrevista em que a Leci Brandão dizia como compunha. Ela andava com um gravador e quando brotava algum tema ela gravava pra não esquecer e, depois trabalhava em cima. Não tocava nada também. Isso me animou muito. (Ler é fundamental).
A insegurança e a timidez me impediam de mostrar alguma coisa a alguém, ou de propor parceria, de que eu tanto precisava. Limitava-me então a fazer música sobre amigos e outros temas. Até que me aproximando de uma turma legal, de intérpretes e compositores do já citado, Leão de Iguaçu, arrisquei a primeira parceria. Mostrei uma letra ao Mário Carabina, compositor do bloco, uma pessoa muito sensível e acessível. Ele mexeu na letra, junto com Jairo Bráulio, também compositor e intérprete daquela agremiação. Daí nasceu Doce Olhar, um samba tipo balada que fez sucesso nas rodas de samba e que frequentou o repertório de shows de um grupo musical que começava a estourar na praça e já com discos gravados, o ‘Pirraça’. Mas o samba só foi gravado depois, no ‘Embaixada do Samba’, mas aí já é outra história.
Retornando ao Bezerra. Já acreditando que podia fazer letras aceitáveis, passei a sonhar mais alto. Escrevi uma letra que imaginava, ou delirava, que pudesse ser gravada pela Beth Carvalho. Naquele tempo eu já conhecia o Guilherme do Ponto Chic. Dei pra ele a letra. Justamente numa época, em que trocava a Baixada por Angra dos Reis. Um vendaval na vida me empurrou para outros ares (e bares). Fui trabalhar na Rádio Angra e no Jornal Maré, de propriedade do João Carlos Rabello, empresário do ramo de comunicações local. Um dia recebo um telefonema do Guilherme, que quase me faz cair da cadeira: “O Bezerra da Silva vai gravar A Vida do Povo, o nosso samba”. Eu flutuei no ar. Guilherme e Pinga, este eu fui conhecer mais tarde, mexeram na letra e colocaram música. Por intermédio de um canal com a turma do Bezerra, o samba fora aprovado e gravado. No dia de assinar o contrato, uma comédia... (continua semana que vem)
“Mas é que a vida do povo / Ela é um jogo e ele nunca bate
Nem ao menos arranja um empate / Só apanha que nem boi ladrão” (A Vida do Povo – Pinga/Guilherme do Ponto Chic/Laís Amaral Jr.)
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