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Foto do escritorLeo Viana

CARIOCA



O Luizinho sonhava com o Rio de Janeiro. Nos sentidos literal e figurado. Não passava tempo nenhum sem lamentar a má sorte, pra ele, de ter nascido longe do balneário carioca e fazia do Rio uma obsessão permanente.


Falava de desfiles de carnaval com a desenvoltura de um membro da velha guarda. Conhecia os bairros como se tivesse ajudado a escrever os antigos Guia Rex ou fosse um mentor do Google Maps. Andava do Méier a Madureira com a intimidade de um suburbano raiz. Sabia os endereços secretos, aqueles armarinhos, padarias, papelarias.


Lamentava o abandono de certas áreas da cidade, assim como o flagelo da violência e da política local, sempre meio de mãos dadas, com executivo e legislativo sempre em algum grau comprometidos com o que há de pior. Mas entendia – e defendia, lá com os argumentos dele – que o esvaziamento causado pela transferência da capital estava na raiz de todos os males. Explicação pouco convincente, mas enfim, era o que ele achava.


Torcedor dos times de futebol do Rio, não tinha um preferido. Decorara os hinos ainda garoto, incluindo os do América e do São Cristóvão. Discorria longamente a quem perguntasse – ou não – sobre a história dos clubes, sabia os nomes dos remadores que fundaram o Flamengo, conhecia a história de luta contra o preconceito do Vasco, as glórias do Fluminense e lamentava o erro no hino do Botafogo, que deveria dizer “campeão desde 1907” e não 1910, como está na letra original.


Conhecia bem recantos que a maioria dos cariocas desconhece. Sabia de uma feijoada secreta em Campo Grande, de um peixe escondidíssimo em Guaratiba, que batia de goleada nos mais conhecidos e badalados pratos das Tias daquela região. Em Santa Cruz, tinha o endereço de um baião de dois feito por uma pernambucana que trazia os ingredientes de lá e ainda fazia a cartola e o bolo de rolo conforme a receita original, mas só pra pouca gente, que atendia em casa. 


Na Zona Sul, o domínio era absoluto. Praia por praia, transversal por transversal da orla, sabia o que nem os subprefeitos sabiam. Daria pra ensinar a motoristas de taxi, cuja fama de conhecer ruas tinha subido no telhado depois da universalização dos GPS, Wazee outras aplicações de dizer o caminho. Tinha tudo na cabeça e a informação fluía como se estivesse sistematizada em arquivos sequenciais. Sabia a sequência de bares e restaurantes da orla e das ruas interiores de Copacabana, incluindo os destaques noscardápios. As lojas chiques da Garcia D’ávila, em Ipanema, conhecia de trás pra frente. Os redutos da comunidade LGBTQIA+ na Farme de Amoedo, também conhecia.


Queria se enturmar em todas as tribos. Sabia nomes de garçons do Baixo Gávea, de Botafogo e da Lapa. Barracas de Praia? Só se confundia um pouco com as da praia do Flamengo, porque tinham uma certa provisoriedade e nem sempre a informação que recebia mantinha a atualidade durante o tempo de permanência do gestor no “empreendimento”.


A última coisa que tinha aprendido era a lista dos condomínios da Barra. Inicialmente tinha desenvolvido um tipo de preconceito, o mesmo que parte dos cariocas tem com o lugar, ligado à fama de abrigar bandidos bem sucedidos e ricos deslumbrados, mas com o tempo entendeu que era um modo de vida diferente, mas também carioca. Estranhava as avenidas sem gente na rua, muito carro e pouco pedestre, os condomínios gigantescos que funcionam como pequenos – ou nem tão pequenos – bairros. As regras internas meio rígidas, os códigos que levam a comportamentos singulares. Tudo muito parecido com outras comunidades diferenciadas, como as favelas conflagradas e seus códigos de conduta regidos pelo tráfico ou pela milícia. Tudo muito específico, mas tudo muito carioca.


Certa vez acordou perdido em Jacarepaguá, como qualquer carioca. No sonho, tinha que ir da Freguesia para a Boiúna e antes resolver um problema na Curicica e outro noTanque. Não conseguia acertar o melhor caminho e acordou suando num engarrafamento na André Rocha. Constatar que estava em casa foi um alívio, mas levou um tempo até conseguir sair da cama, diante de um impasse geográfico daquele tamanho, pra quem se gabava de conhecer os detalhes da cidade.


Aos 25 anos, jamais tinha saído da cidade pequena em que vivia e onde juntava o suado dinheirinho ganho no trabalho no principal armazém local. O objetivo, claro, era viajar em grande estilo pro Rio. Nem havia ônibus direto. Precisava pegar o parador regional que ligava a cidadezinha à cidade pólo da região, ir de lá pra capital do estado e de lá encarar muitas horas de viagem até a cidade dos sonhos. Enquanto isso, tirava em aplicativos, livros, jornais, revistas, novelas e tudo o mais que tivesse ao alcance, as dúvidas que ainda restavam.


Sonhava ver as calçadas de Burle Marx em Copacabana, cujos desenhos tinha na cabecacomo nenhuma outra pessoa, o Jardim Botânico criado por D. João VI, o Palácio do Catete, onde Getúlio se matou, a praça XV onde chegou a família real e a igreja do Rosário dos Pretos, onde eles assistiram à primeira missa aqui. Na praça Tiradentes, antiga praça do Rossio, tinham enforcado o Alferes. O parque do Flamengo sobre o Aterro, o sambódromo, onde as grandes escolas fazem o maior dos espetáculos. O bar onde Vinícius e Tom fizeram Garota de Ipanema; o pequeno Bipbip em Copacabana, onde todo mundo que realmente interessa vai. A expectativa aumentava com o tempo, em paralelo com o acúmulo de informações, dados, curiosidades, mapas, fotos, textos.


Não demorou muito tempo mais. Conseguiu chegar a um valor que viabilizaria a permanência, com comida e estadia em local relativamente confortável e seguro. Sabia que não podia facilitar.

Desceu na Rodoviária Novo Rio como quem vai do quarto pra sala, íntimo até dos guichês. Dispensou o VLT, chamou um Uber e chegou ao conjugado perto do Lido depois de ensinar o caminho ao motorista, que morava em São Gonçalo.


O dinheiro acabou no fim do mês, grande parte gasto em deslocamentos. Conheceu a Linda um pouco antes do orçamento estourar. Garota bonita, da Penha, passista da Imperatriz, enfermeira do Hospital Getúlio Vargas, também amante do Rio, mas sem exageros. Compreensiva com o desterrado do interior que amava mais ao Rio que a si mesmo, a identificação bateu forte.

Ele nunca voltou pra cidade natal. Ela aguentou o Luizinho e suas manias até ele anunciar que gostaria que a primeira filha, já em vias de nascer, se chamasse Inhaúma. 


Nome indígena, super adequado, querida.


Ela perdeu a paciência, mandou o Luizinho pastar. E escolheu um nome pra filha.

A pequena Ipanema está com cinco aninhos.

E o caçulinha Humaitá, fruto de uma recaída que tiveram, mas sem reatar o casamento, tem três anos.

 

Rio de Janeiro, agosto de 2024.


 

 Cedro Rosa: Liderando a Inovação Cultural e Proteção de Direitos Autorais

Uma Nova Era para Direitos Autorais na Música


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