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Foto do escritorLéo Viana

CONVERSA FÁCIL


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Um governo da direita contemporânea, neoliberal, tem por objetivo a máxima transferência do patrimônio público para a iniciativa privada. Funciona como um parasita, consumindo internamente o organismo até que ele chegue ao limiar do esgotamento. Não necessariamente causa sua morte, mas debilita, enfraquece, empalidece. Eles não creem em função social do Estado, em estado de bem estar, em redução da desigualdade. Eles trabalham para a criação de oligarcas, como fizeram os russos pós-URSS, biliardários capazes de substituir o Estado em suas funções básicas, como saúde, transporte, educação.


O André, militante antigo que era, concluiu a apresentação da dissertação com essas palavras. Saiu orgulhoso pra aquele intervalinho em que a banca se reúne pra deliberar sobre a avaliação do postulante ao mestrado. O orientador, que olhava desconfiado para os colegas de banca, pediu a palavra e buscou se desculpar. Afirmou que tentou muitas vezes minimizar o tom radical do trabalho do André, mas os anos passados em grupos de militância partidária tinham, apesar da leitura, tornado o garoto inflexível demais. E ele era muito ousado, ao afirmar diante de uma banca tão notável, composta inclusive por um professor de Harvard, sua aversão ao estado mínimo.


Vindo da classe média baixa da Zona Sul, viveu equidistante de ricos e pobres a vida toda. E a equidistância era mais geográfica que conceitual. Quem mora na Barata Ribeiro - altura da Siqueira Campos - está praticamente no meio entre a Avenida Atlântica e a Ladeira dos Tabajaras, que segue classe média até certa altura e depois dá acesso a umas das favelas de Copacabana. Pois viveu com os pais no apartamento pequeno herdado do avô comerciante, que fez do filho professor da rede pública. A mãe do André também era professora. O salário dos dois, em condições normais, não permitiria uma vida confortável em Copacabana, mas ao menos o condomínio e os IPTU eles conseguiam garantir. De qualquer forma estavam, financeiramente, mais próximos do pessoal do morro que da praia.


O André contava a história com detalhes que só faziam brilhar mais os olhos já apaixonados da Sofia. A mocinha, embevecida, só tinha ouvidos pro seu intelectualzinho. O conhecera na praia, jogando frescobol. Ela jogava com uma amiga quando o André passou e levou uma bolada. Nada grave, mas o suficiente pra entabularem uma conversa que terminou com os três tomando chope num bar da Barata Ribeiro, altura da Xavier da Silveira. A amiga, que morava em Botafogo, tomou o rumo de casa ao perceber o interesse da Sofia no cara. Certa de que não havia qualquer risco, partiu pra casa e pro cinema que já tinha programado. E o André seguiu contando suas peripécias acadêmicas para a Sofia, recém-formada em pedagogia na UERJ, entusiasta da educação inclusiva, ex-estagiária numa ONG dedicada ao tema e iniciando um processo seletivo para o Instituto Benjamin Constant, já que a paixão pela inclusão a levou a dominar o braile ainda adolescente.


E o papo tendeu. O André era sedutor, bom falante e bom ouvinte. Atleta, chegava aquela hora na praia pra nadar os 2km que fazia diariamente, contou. E cuidava dos pais, já idosos, entre uma e outra atividade partidária.


Não demorou até que a Sofia, digamos, tenha se rendido aos encantos dele. Puro sorriso, bronzeado bonito, ambos estampariam um anúncio de academia sem dever nada. Ou de creme dental, margarina, cerveja, enfim, qualquer desses produtos que apostam no padrão de beleza da mídia pra ganhar o consumidor desavisado.


Estavam no meio do beijo quando o tapa estalou nas costas do André. A mulher, discreta e humildemente vestida, com as duas crianças pela mão, tinha o olhar firme e decidido. Não foi agressiva com a Sofia, inclusive pedindo desculpas, mas soltou cobras e lagartos sobre o sedutor, que não reagiu.


Sofia saiu de fininho ao perceber a encrenca em que se havia enfiado, mas passou no caixa e pagou os dois chopes que bebera.

O André, cara de pau máxima, apenas fez cara de coitado enquanto ouvia as merecidas broncas da Leninha, a esposa que deixara com os filhos pequenos na Pavuna, dizendo que ia resolver os documentos para receber o bolsa família. Afinal, no governo anterior tinha recebido os benefícios todos e, desde o escândalo das rachadinhas, a outra fonte tinha secado. Sofia – sorte dela - não chegou a descobrir que ele, além de mentiroso, ainda votava no tal Capitão.


Leninha que também não sabia da missa a metade, desceu com as crianças para a casa de uma ex-patroa da mãe, onde poderia descolar um almoço digno para os filhos e flagrou, ao acaso o encontro do marido. Ele nunca tinha sido grande coisa, apesar da estampa, mas ultimamente vinha faltando o básico em casa e ela já não estava disposta a continuar com aquilo por muito tempo. Normalmente deixava as crianças na creche e descia pra fazer uma faxina, mas dessa vez trouxe os pequenos.


Ela, que nunca deixou de trabalhar e votou sempre com a esquerda, via o governo novo acenar com investimentos que podem render um emprego pro salafrário. O André fala direitinho, conversa fácil, terminou bem o ensino médio. Só nunca se interessou mesmo pelo trabalho honesto, tendo se dedicado a viver de pequenos expedientes sem maior gravidade, ao menos até conhecer políticos do baixo clero.


E pode ser que precise deles de novo, porque em casa ele não entra mais...


Rio de Janeiro, abril de 2023.


 

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