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Foto do escritorLeo Viana

COTIDIANO



Contra todas as expectativas pessimistas do Oliveira, chegava mais uma vez o início do ano. O Oliva, apelido de menino, detestava essa época. Além do calor infernal que faz no Rio de Janeiro, a cidade é invadida por turistas vindos de toda parte pra ver as coisas que ele via com tranquilidade desde que era criança e que agora precisa se acotovelar com hordas de gringos rosados pra poder usufruir.


Ele não tem, nunca teve, preconceitos com quem quer que seja, mas não entende, especialmente depois do quadriênio Bolsonaro, essa gente cor de rosa, sem protetor solar, vestindo babylooksverdes e amarelas, que ainda por cima remetem à seleção de futebol, que vive um de seus piores momentos na história. O Oliva, que por sua sinceridade era conhecido também como “extra virgem sem filtragem” pelos colegas da repartição, começava a ficar com raiva no início de novembro. O cheiro de flor e vela do dia de finados em Botafogo já o deixava bravo logo cedo. 


Ele, Oliva, era incapaz de sair pra visitar outro lugar. Se preocupava em não encher o saco dos outros. Nunca tinha viajado e pretendia morrer assim. Saiu da cidade umas três vezes por atividades profissionais. Mas foi só até Niterói. Nunca viu, ao vivo, o que havia nas outras pontas das rodovias ou ferrovias que partiam da cidade ou cruzavam o território do município. Herdara o apartamentodos pais e nunca fez questão de sair de lá. Em seus domínios, naquele sala e quarto, podia andar no escuro mesmo que estivesse bêbado ou perdesse a visão. Conhecia cada centímetro. Não mudaria de casa por causa de um dia de cheiro enjoativo. 


Também nunca se casara. Não tinha paciência pra ter outra pessoa por perto. Era irascível, apesar de não ser violento. Tinha consciência de sua pouca sociabilidade. Limitava sua vida social ao convivio com os colegas de trabalho e a encontros fortuitos com prostitutas ou garotas que topavam um encontro casual num fim de noite com um bêbado desprovido de atratividade. Se sabia desinteressante, o Oliva. 


Qualquer conversa com outra pessoa fatalmente desaguaria num mundo de reclamações e inadaptaçõespeculiares. Por isso evitava o contato social. 


A turma do trabalho, um bando em que todos fizeram concurso e tomaram posse juntos, já tinha se afeiçoado ao Oliveira e seu jeito esquisitão. Levou um tempo, mas a figura acabou se tornando uma espécie de "leão de chácara" da turma, sempre disposto, por lealdade, a defender o grupo.


Também não reclamava de tarefas mais complicadas ou enfadonhas, o que garantia a sua desejável concentração e solidão na execução do trabalho. Cada vez que uma atividade insuportavelmente chata aparecia, era uma festa. Momentos de tranquilidade e ocupação pro Oliva e relaxamento pro resto da galera, que não precisava lidar com eventuais acessos de raiva do colega. 


Como a cada dia as atividades de tornavam menos exigentes em complexidade e mais monótonas, o repasse pro Oliva não garantia muito tempo de relaxamento para os demais. O afinco que ele empregava na resolução dos problemas fazia com que tudo ficasse cada vez mais simples e rápido. Uma espécie de superdosagem de competência, algo como uma tabuada num pós doutorado em números complexos e cálculo integral quádruplo. E isso começou a ter efeito contrário, tornando  o Oliva relativamente ocioso e ativando seus piores instintos. 


Pois bem. Era novembro. O dia de finados já tinha passado e o feriado do dia 15 se avizinhava perigosamente. Perspectiva de feriadão e proximidade da insuportável Black Friday, quando milhões de pessoas enchem as lojas – e consequentemente as ruas - para comprar coisas de que não precisam. Um conjunto temático que enfurecia o Oliva até o último dos raros fios de cabelo resilientes em sua cabeça semi-árida. 


Ao chegar ao trabalho, resmungando sozinho sobre a perspectiva iminente de materialização de seus piores pesadelos anuais, foi recebido pela linda e bem humorada Carla. Até ele, em um de seus piores dias, teve de reconhecer a aura radiante que envolvia a menina. Arquiteta com o mestrado recentemente concluido, ela foi encaminhada pelo RH geral para ajudar na implantação de um novo sistema de gestão territorial, que seria importante para a equipe em que o Oliva trabalhava. O susto foi grande para todos.


Era uma equipe até então integralmente masculina, o que implicava em um tipo de relacionamento e interação que incluía doses de misoginia e machismo. A quantidade de besteiras dita superava em muito a média de quaisquer espaços sadios. Sabiam ser educados, eram todos bons servidores e suas fichas corridas eram limpas de violência doméstica ou similares. O comportamento animal masculino típico se restringia ao espaço e aos momentos em que podiam gozar apenas da companhia uns dos outros. A Carla era uma estranha a todos. Mas sua simpatia, sua aparente competência e, masculinamente falando, sua beleza, fizeram com que rapidamente todos passassem a se comportar, na totalidade do tempo, de modo absolutamente respeitoso.


Ela não percebeu as mudanças que promoveu. Mas se apegou, estranhamente, ao Oliva. Não que sentisse por ele mais carinho ou algo mais do que sentia por todos os outros. Mas foi ele quem melhor assimilou os novos conhecimentos, inclusive detectando problemas que o sistema trazia embutidos e inspirando o provável futuro doutorado da Carla. 


O feriadão e a Black Friday passaram sem nem magoar o Oliva. A leveza trazida pela Carla ao grupo refletiu positivamente no comportamento do reclamão irritadiço. 


O que não se sabia até então é que, na segunda semana de dezembro, quando o calor já cozinhava os miolos de todos e eram só o prelúdio daqueles temporais violentos que paravam a cidade e transformavam as vidas de todos em um caos sem energia, de ruas alagadas, trânsito monstruoso, metrô parado e todos os demais elementos que Dante omitiu – por desconhecimento ou maldade – dos diversos círculos do inferno da Divina Comédia, a Carla foi requisitada por outro setor.


A comissão permanente de avaliação concluiu que ao menos um dos servidores tinha o absoluto domínio do novo sistema e a Carla deveria partir para capacitar outro grupo. O Oliva não resistiu e teve uma crise de choro. Janeiro se aproximava violentamente, com os pedágios terriveis que são o Natal e o réveillon, trazendo consigo o calor, os turistas, as contas a pagar, a mudança de governo e todo um ano a seguir com seus feriados, suas chuvas, frios, ventos, toda uma série de repetições de outros anos insuportáveis. 


E sem nem a perspectiva de uma Carla.


Oh vida...

 

Rio de Janeiro, janeiro de 2025.


 

 "O Samba Está Aqui" Celebrará o Gênero com Mostra de Filmes em 2025


A Cedro Rosa Digital, em parceria com centros culturais e circuitos independentes de cinema, apresentará a mostra "O Samba Está Aqui". Este evento, programado para o pré-carnaval de 2025, reunirá uma série de filmes que exploram o samba como expressão cultural, histórica e artística do Brasil.


Um tributo cinematográfico ao samba

A mostra incluirá produções que destacam as diversas facetas do gênero, desde sua origem nas rodas de samba até sua evolução nas grandes escolas carnavalescas e influências contemporâneas. Entre os destaques estão filmes documentais curtas e longas que trazem à tona a riqueza cultural e a força social do samba, celebrando figuras icônicas e histórias que moldaram o ritmo.


Circuito independente e centros culturais

As exibições ocorrerão em um circuito exclusivo de cinemas independentes e centros culturais de várias cidades do Brasil, com o objetivo de democratizar o acesso à arte e à cultura. Além das sessões, a mostra promoverá debates com cineastas, músicos e pesquisadores, enriquecendo a experiência do público e reforçando o diálogo sobre a importância do samba na construção da identidade nacional.


Agenda e expectativa

Com lançamento estratégico no pré-carnaval de 2025, "O Samba Está Aqui" busca conectar o público com a vibração e a energia que antecedem a maior festa popular do mundo. A iniciativa pretende atrair amantes do samba, cinéfilos e curiosos, criando uma celebração imersiva desse patrimônio cultural.


A mostra é mais um passo da Cedro Rosa Digital na integração entre audiovisual, música e cultura, reafirmando seu compromisso com a promoção da diversidade cultural brasileira.

Fique atento às novidades e ao calendário oficial da mostra no site da Cedro Rosa Digital:

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