CULTURA
É sabido que os profissionais da cultura estão sendo duplamente penalizados no Brasil, não só pelas várias formas de boicotes promovidas pelo governo federal, como pela Covid-19. Há mais de um ano a pandemia vem impedindo o setor de trabalhar normalmente e, pelos prognósticos, não dá mostras de quando permitirá que as produções retornem ao seu ritmo, que já não era especialmente estável.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos considera Direitos Culturais como parte integrante dos Direitos Humanos, e a UNESCO define duas formas de participação cultural: dimensão ativa, que pode ser traduzida por direito à criação e dimensão passiva, compreendido como direito à fruição.
No entanto as duas dimensões, umbilicalmente ligadas e, atualmente, impossibilitadas de se manterem em atividade, encontram-se sem solução para atender à demanda da população.
Os espaços tradicionais para exibições artísticas, a depender dos governadores e prefeitos, encontram-se fechados ou com suas atividades restritas a um público de 40% da lotação da sala. Os profissionais de artes cênicas e de música, ao somar as despesas para desinfetar tudo e todos e poder abrir as portas para um público limitado em respeito ao distanciamento físico, concluiu pela inviabilidade do espetáculo se financiar apenas com a verba dos ingressos. E, espetáculos restritos em meio à pandemia não atraem patrocínios.
Muitos atores e músicos têm optado por realizar apresentações virtuais. Uma alternativa, sem dúvida, estimulante. Porém só os “consagrados” têm conseguido patrocínio que permite realizar apresentações tecnicamente bem feitas. Os demais viabilizam suas “lives” acompanhados somente pelo próprio instrumento, quando têm habilidade para tal, e solicitam uma opcional contribuição voluntária.
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Não bastando, o Secretário da SEFIC – subordinado ao Secretário Especial de Cultura – publicou uma portaria informando que só avaliaria pedidos para liberação de verbas através da Lei Rouanet a eventos que aconteçam em formato presencial. Na minha opinião, isso não passa de mais uma provocação negacionista e anti-cultura desse governo.
No entanto, a cadeia produtiva da cultura é muito mais ampla, como comentei no artigo em que tratei do tema Economia Criativa, uma vez que envolvia, antes da pandemia, cerca de seis milhões de trabalhadores formais e informais. Pesquisa do Observatório Itaú Cultural aponta que o setor da economia criativa perdeu 458 mil postos de trabalho na comparação do último trimestre de 2020 com o mesmo período do ano anterior. Atualmente são 6,4%, dos trabalhadores do setor criativo sem perspectivas de ocupação na área.
Além dos artistas-empreendedores, em condições de realizar apresentações ou dar aulas virtuais, a grande maioria dos profissionais de toda cadeia produtiva da cultura não está conseguindo se manter economicamente. Muitos resolvem buscar outras profissões, subempregos que, provisoriamente, podem solucionar a situação mas, sem dúvida, à custa de prejuízos materiais e emocionais. Na maioria dos casos, quando um artista estuda, se entrega e tem seu trabalho reconhecido publicamente, opta por um caminho quase sem volta, uma vez que a repercussão pública no campo artístico lhe proporciona a confirmação de ter encontrado o caminho correto.
Algumas linguagens do campo cultural permitem que profissionais possam trabalhar em casa, não dependendo diretamente do contato com seu público, ficando assim menos afetados. Porém, desde março do ano passado a crise tem levado um grande número de artistas, produtores e técnicos que não contavam com reservas econômicas a buscar ocupações diversas que, mesmo provisoriamente, paguem as despesas domésticas.
Em agosto de 2020, depois de meses de pressão da sociedade a favor de uma ajuda emergencial ao setor cultural, foi promulgada a Lei 14.017/2020, também chamada de Lei Aldir Blanc, destinando três bilhões de reais ao setor. A regulamentação, publicada após um mês, exigia dos estados e DF um plano de ação respeitando as diretrizes já definidas pelo Ministério do Turismo.
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A complexa burocracia e falta de clareza na regulamentação provocou uma insegurança geral até em profissionais habituados a lidar com leis federais. Em função disso, das eleições municipais e do pouco tempo que teriam para executar os projetos, parte dos municípios desistiu de pleitear essa verba. Os estados, o Distrito Federal e as cidades que conseguiram empenhar a maior parte da verba até dia 31 de dezembro repassaram a verba aos contemplados nos primeiros meses de 2021. No entanto, um montante de quase 800 milhões de reais não foi sequer empenhado e, a princípio, deveria ser devolvido aos cofres da União.
No entanto, considerando todas as dificuldades burocráticas, o curto prazo e a pandemia que permanece deixando a categoria sem recursos para sua sobrevivência, um acórdão do TCU decidiu, por unanimidade, que a verba que os estados e, principalmente, as prefeituras não conseguiram empenhar no ano passado, ao invés de ser devolvida à União, deveria ser reutilizada por cada estado. O restante de cada estado, não empenhado, poderia ser replanejado para nova utilização até o fim deste ano de 2021, tendo em vista que a pandemia e a crise econômica no campo cultural permanecem.
Enquanto essa questão estava sendo analisada pelo TCU, um PL tramitava no Congresso propondo, da mesma forma, um projeto de lei complementar da Lei Aldir Blanc ao estender sua vigência até o 31 de dezembro deste ano, utilizado os 800 milhões de reais não empenhados. Logo que foi publicado o Acordão do TCU, o Presidente Bolsonaro, bem ao seu feitio, sancionou o PL vetando apenas o uso da verba essencial para a concretização de sua finalidade. No entanto, no dia primeiro de junho o veto foi derrubado pelo Congresso.
Um novo projeto de lei, PLP 773/2021, que leva o nome de Lei Paulo Gustavo, foi recentemente apresentado no Congresso. A verba reivindicada para o setor cultural é de R$ 4,3 bilhões de reais, que seriam recuperados para os fundos da cultura, e regulamentados pelo Sistema Nacional de Cultura a fim de que a Secretaria de Cultura do Ministério do Turismo lance parte da verba em novos editais, assim como repasse o restante aos fundos estaduais e municipais.
Normalmente, os dois fundos, o FNC – Fundo Nacional de Cultura e o FSAV- Fundo Setorial do Audiovisual, contam com essas verbas no orçamento da União. No entanto, o FSAV tem quase que a totalidade de seu orçamento decorrente da arrecadação da CONDECINE – Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, e de receitas de concessões e permissões, principalmente o FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações. Em outras palavras, essas receitas do FSAV são taxas cobradas pela exibição de produtos audiovisuais e, portanto, não pertencem à União. No entanto, o Tesouro Nacional tem retido sistematicamente essas receitas, previstas na legislação, a fim de desviar para outras despesas de seu interesse.
A meu ver, quando a pandemia passar, assim como os auxílios emergenciais, as “lives artísticas” provavelmente serão mantidas, permitindo um acesso mais econômico tanto na dimensão ativa quanto na passiva. Todavia essa solução virtual pode se tornar uma solução barata, mas de qualidade bastante inferior se comparada aos espetáculos presenciais, em teatros bem equipados. Não será essa uma forma de privilegiar ainda mais a cultura de entretenimento, ou cultura mainstream? Resta aguardarmos para assistir inovações a partir da reação das culturas das ruas e das periferias.
Publicado originalmente no IREE.
Ana de Hollanda
É cantora, compositora e ex-Ministra da Cultura. Além do trabalho na música, com cinco discos gravados, Ana estudou artes cênicas, foi atriz, dramaturga e produtora cultural. Foi Coordenadora de Música do Centro Cultural São Paulo, Secretária de Cultura do Município de Osasco, Diretora do Centro de Música da Funarte e vice-Presidente do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
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