Dava pra assobiar as canções de Paulo Diniz, o surpreendente parceiro de Drummond
Semana passada, em meio a um cacho de celebridades que nos deixou, incluindo Marilu Bueno e Danuza Leão, também partiu o cantor e compositor, Paulo Diniz. Morreu em Pernambuco de causas naturais aos 82 anos. Assim foi noticiado pela imprensa. Certamente um desconhecido das novas gerações, Paulo Diniz foi um pernambucano que muita gente achava que era baiano, que fez muito sucesso na música nos anos 70. Ao saber de sua morte, senti alguma coisa próxima à melancolia. Ou nostalgia, sei lá. Fui ao YouTube e puxei alguns de seus sucessos. ‘Pingos de Amor’, ‘Um chopp pra distrair’. E outras bem marcantes.
Paulo Diniz fazia umas baladas, que ficaram marcadas numa parte da minha existência. Afinal, quando seus sucessos começaram a reverberar pelas rádios, eu era ainda um adolescente imberbe. Talvez a melancolia ou nostalgia que senti com sua passagem seja por isso. Saudades de mim. Da juventude iniciante, a descoberta do mundo, de tudo. Daquela fase da vida quando acreditamos sermos imortais e sabemos de tudo. Obviamente, um ledo engano. Principalmente para quem como eu, morava na periferia da periferia do Rio, numa família despolitizada e que se desinformava pela já viciada mídia de então. Além de que estávamos em plena ditadura militar.
De locutor da Rádio Globo, Paulo Diniz passou a cantor de sucesso com uma música chamada ‘Chorão’ que o levou a frequentar o programa Jovem Guarda, comandado por Roberto, Erasmo e Wanderleia na TV Record. Claro que víamos o programa que era a coqueluche das tardes de domingo. Mas quando ouvi Quero voltar pra a Bahia foi que comecei a prestar mais a atenção no sujeito. Acho que foi daí que muita gente acreditou que ele era baiano. Na época, dois anos após o ferrolho ter sido mais apertado com o AI-5, eu nem poderia imaginar que a canção era para Caetano Veloso, autoexilado em Londres, apesar do refrão: ‘I don’t want to stay here, I wanna to go back to Bahia’.
Desse mesmo disco de 1970 estourou Um chopp pra distrair. Aí ele me ganhou de vez. Naquele tempo, os mais velhos da turma iam para os bailes nas casas de família, como se dizia então, levando embaixo do braço o compacto Do you wanna dance, de Johnny Rivers. Era uma atmosfera que nos impregnava da falsa impressão de que éramos senhores de nossos narizes. Até tinha alguma coisa de status naquilo. Falso, como todo status. Raramente se ouviria Paulo Diniz num Hi Fi daqueles, mas as emissoras de rádio martelavam os sucessos do homem. Eu já ouvira a 'Banda', do Chico, que mexeu muito comigo. Depois vieram Caetano, Gil, Gal, Edu, MPB4. Estrelas que começaram a reluzir nos festivais. Mas no rádio em casa era aquela democracia sonora. Ouvia-se de tudo. Quando Paulo Diniz despontou com força, a minha turma de amigos era o que se poderia chamar de elitista em termos de gosto musical. Pelo menos para a região periférica de onde viemos. Ninguém comprou sequer um disco do Paulo Diniz. Eu curtia secretamente Um Chopp pra distrair. Eram músicas não intelectualizadas. Simples, não simplórias. Música para assobiar. Aí estourou E agora, José. Nossa! Tiraram o chapéu. Se renderam. O cara teve a coragem de musicar ‘José’ um clássico poema de Carlos Drummond de Andrade. Nada de heresia. Um tributo ao poeta maior.
Futicando agora a vida de Paulo Diniz fiquei sabendo que nos anos de chumbo quando não sabíamos nada, ele também teve canções censuradas e que até morou por uns tempos no emblemático Solar da Fossa. O casarão em Botafogo pelo qual passaram Caetano, Gil, Gal, Torquato Neto, Aderbal Freire e muitos outros notáveis. Um deles, o instigante poeta curitibano Paulo Leminski que teria influenciado Diniz a compor, Ponha um arco íris na sua moringa. Essa, todo mundo percebeu rapidinho a brincadeira escondida na metáfora. Um ano depois no mesmo disco que saiu Pingos de Amor o maior sucesso com Odibar, seu parceiro mais constante, também veio a singela Velho Solar, uma homenagem ao casarão em cujo local hoje há um grande e conhecido shopping.
A fiança de que Paulo Diniz fez e deixou coisas boas, está nas regravações de sucessos seus por gente do calibre de Elizeth Cardoso, Emílio Santiago, Clara Nunes, Zeca Baleiro, Simone, Fagner entre outros. A voz rascante e rouca do pernambucano deu uma pausa no final dos anos 90 quando um problema na medula o impediu de caminhar. Anos depois retornou à estrada de violão em punho para matar a saudade de antigos fãs. E assim foi ele, encantando a vida ou desencantando a morte, como nos versos da comovente, Vou-me embora, dele e de Roberto José. Vai na boa, menestrel. Desencantar a ceifadora.
“Ela passou Deixando um sorriso no chão Deu um banho de beleza nos meus olhos Aí começou o verão Mil cores pintando o painel Copacabana...
Ela parou Na loja de discos e escutou A canção que eu fiz pra ela A minha mensagem de amor É tudo que eu tenho pra dar Chorei, de amor, eu sei Um chope pra distrair” (Um Chopp pra distrair - Paulo Diniz/Odibar)
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