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Diferenças culturais



Não esqueço o dia em que minha filha Olivia, então com sete anos, chegou do colégio e recitou com orgulho o que lhe tinham ensinado:


“Mãe, todos nós temos uma bolha invisível ao nosso redor que deve ser respeitada!”

“De que jeito?”

“Não se deve entrar na bolha do outro e chegar muito perto dele”, explicou.


Fiquei perplexa. Crescendo no Brasil, cansei de ver meu pai tocar de leve o braço de seus amigos, quando conversava com eles, assim como outros contatos físicos entre pessoas diversas, durante comunicações amistosas. Por outro lado, aqui não há intromissão na “bolha” de ninguém, e até abraços entre americanos é algo absurdo, pois ambos os que se abraçam afastam o corpo um do outro enquanto se trocam tapinhas nos ombros. Beijinhos então, além de raros, quando acontecem são beijinhos no ar e não no rosto de quem se está saudando.


Mas a informação de Olivia naquela época fez com que várias fichas caíssem pra mim, como no dia em que toquei o ombro de um cara na mesma caminhonete em que eu estava, para lhe perguntar se sabia o quanto faltava para chegarmos ao nosso itinerário. Ele se encontrava no lado oposto do banco e olhava pra fora pela janela. Me encarou furioso, como se eu o tivesse desrespeitado. Lembrei também o dia em que fiz a mesma coisa para saldar um banqueiro amigo, quando o vi saindo da igreja. Este não me olhou com indignação, mas levou um susto. Naqueles momentos, pensei que tanto este quanto aquele eram pessoas tensas. Mas não. Era eu que tinha me intrometido na bolha deles!


         Eu já vivia neste país havia dez anos, quando Olivia me informou sobre a tal “bolha”. Mas já tinha sacado que não se olha, principalmente nos olhos, mesmo que de relance, pessoas que não se conhece. Mesmo que se esteja admirando sua possível elegância ou beleza, elas tomam como crítica. Uma vez, meu marido, de visita ao Rio, ficou chocado quando viu, no sinal vermelho, alguns motoristas olhando para os carros emparelhados com os seus. Quase teve um troço ao ver um cara e uma mulher trocando seus números de telefone.


         “Qual o problema? Good for them!” falei, às gargalhadas.


         Antes de deixar o Brasil com meu filho mais velho, eu ingenuamente imaginava que em dez anos a família que formei nos Estados Unidos seria homogênea. Ao invés disso, já tendo morado três décadas neste país, ainda estou aprendendo e reaprendendo inglês, e virei a única estrangeira entre as pessoas mais próximas a mim. Sorte que os nativos acham charme no meu sotaque.


  Percebi que uma língua não se trata somente de palavras, sons, e gramáticas diferentes, mas engloba toda uma atitude emocional também diferente, como que um posicionamento particular diante do mundo. Por isso, pra dar um exemplo, ingleses e americanos falam a mesma língua, mas empostam a voz de maneira diferente e têm sotaques distintos que parecem condizer com seu comportamento. Enquanto os ingleses são ritualistas, os americanos são pragmáticos. Uns tendem a valorizar a tradição e são esnobes, enquanto os outros são mais voltados para o mérito individual e a ação.


Não tem muito tempo, vim a me dar conta de que falar uma segunda língua 24 hs por dia exige esforço da minha parte, mesmo que na hora eu não perceba. Afinal, nossa primeira língua não é chamada de “língua materna” à toa. Com meus filhos, falo metade das frases em português e metade em inglês. Eles me respondem do mesmo jeito, certas coisas se expressando melhor em português, e outras em inglês. Mas quando eu dava bronca saía tudo em inglês.  


Vim a conscientizar meus hábitos destoantes levando toques da parte deles. No Brasil, se pode parar no meio da calçada pra conversar, mas se você faz isso aqui, te consideram um estorvo e te olham com irritação. Isso também pode acontecer, caso você se despeça de seu anfitrião e resolva contar mais alguma coisa enquanto sai porta fora. Muito entusiasmo ao falar pode ser confundido com indignação, e indignação verdadeira contra algum fato impessoal pode ser tomado por seu interlocutor como afronta individual.


Depois de tantos conflitos, fiquei mais perspicaz para notar diferenças entre esta cultura e outras que não são brasileiras. Outro dia, durante nossa viagem de carro, eu jantava com minha filha em um restaurante supostamente latino. Nosso garçom era italiano, e quando se aproximou, senti como se ele tivesse entrado no meio de nossa mesa. Parece não fazer sentido, mas o lado invisível da proximidade do cara era caloroso. Notei também que os muçulmanos transmitem na sua abordagem uma malicia bastante charmosa, mas minhas observações não visam de modo algum dar superioridade a qualquer cultura sobre as outras.


Voltando aos americanos, sendo eles tão regrados, fica difícil transmitirem espontaneidade. Talvez não só por serem regrados, mas por viverem em torno da ficção, que é intrínseca `a tecnologia e ao cinema.


Encurtando mais e mais o tempo e o espaço através da velocidade e eliminando-os na comunicação virtual, que também abstrai a identidade (já que qualquer um pode publicar o que quiser sob nome falso) a tecnologia passa para segundo plano as condições fundamentais da existência, ou da realidade concreta. A vida virtual elimina a diferença entre fatos e invenção de fatos, notícias e notícias falsas.


Acho que os americanos vivem no espaço entre a bolha em torno deles e a verdadeira saudação física, entre o ar e o beijo no rosto. No espaço da ficção. Por isso, Hollywood pode dar glamour com generosidade a fatos históricos, inventar “hooks”, conclusões assustadoras ou felizes, e seja lá mais o que for que ajuda a cultura a viver por procuração e a influenciar a imaginação popular do mundo.


 

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