Eucanaã Ferraz é o meu poeta maior, na labuta diária de semear e regar a poesia
O personagem da semana é um poeta. Melhor dizendo, é o poeta. Eucanaã Ferraz. O nome sonoro de múltiplos significados já designava alguma promessa desde o batismo. O mínimo de aproximação que alguém tenha com a arte da poesia, já é o suficiente para ter tido contato com alguma parte de sua obra. Poderiam dizer ser o poeta da moda. Mas já passou dessa. É consolidado. Por isso homenagens, filmes, blogs, aplausos e reconhecimento de variados matizes.
Além de poeta, poetaço, o sujeito é professor universitário, é ativo, proativo, incansável. Tem algumas dezenas de livros publicados, para adultos, para jovens, para crianças. Premiações em pencas: é Jabuti, é Alphonsus Guimarães e Prêmio Portugal Telecom e é uma das estrelas do cast da altíssima Companhia das Letras. Mexeu e remexeu obras e coisas de Adriana Calcanhoto, de Carlos Drummond, de Caetano Veloso, de Vinícius de Moraes. E até organizou um doce ‘Veneno Antimonotonia’ destacando poemas e letras dos melhores de nossos contemporâneos. Ufa!!
Sobre poetas gostaria de dizer que tenho lá minhas manias. Quando jovem eu alimentava certo preconceito a poetas de paletó e gravata. Carlos Drummond e João Cabral, servidor público e diplomata? Credo! Sofreram comigo, embora reconheça ser impossível negar o valor da obra desses dois gigantes. Na época me identificava mais com poetas tipo Baudelaire com a cara cheia de absinto. O poeta na minha visão não era o sujeito que fazia poemas. Não só. Mas, principalmente, o homem que vivia como poeta, como fosse ele parte de algum poema doloroso e heroico a desimportar a própria vida.
Não consigo viver sem música!
Eucanaã Ferraz une essas duas visões. É o exímio fazedor de poesia e é poético. Não enche a cara de absinto. Mas também, necas de terno e gravata. Pode ser difícil separar essas visões vendo-o como uma espécie de workaholic da cultura, da poesia e outras formas de arte. A produzir filmes, exposições, debates. Ministrar aulas de literatura. Grandes editoras não entregam a qualquer um o comando de republicação de obras completas de um Vinícius de Moraes. Ou a organização de tantas outras obras de gente de peso inconteste de nossas artes. Por vezes parece encarnar mais um operário de serviços gerais do imaginário do que um ser poético, não é? Mas ele é um todo. E se está de terno e gravata, consegue prestidigitar essa imagem com poesia.
E podem ter certeza que foi o seu lado poeta que abriu a janela pela qual ele pulou para a intimidade amiga com Caetano Veloso, que além dos livros, levou o precioso compositor a topar um papo de amigo para fazer confidências sobre 54 canções suas. É o programa Nu com a minha música, no qual os dois levam uma prosa justa e leve, sobre histórias e argumentos das canções do baiano. O encontro está na Rádio Batuta (www.radiobatuta.com.br), a web rádio ligada a mais uma esfera de trabalho do poeta. Vale muito conferir.
Quando convivemos durante parte das nossas vidas, Eucanaã deveria ter uns vinte e poucos anos. Éramos jovens. Eu um pouco menos jovem. Encontrávamos-nos para esquálidas boemias por ruas e adegas de vinhos sórdidos em Nova Iguaçu. Geralmente com esticadas ao sofisticado ‘Le Moustache’, bar simpático a artes e artistas. Na época ele publicou um livro a quatro mãos, ‘O outro e o outro’ com o poeta Vitor Loureiro, mais um amigo passageiro de viagens delirantes, num tempo em que a poesia fragmentada, às vezes ferida, tropeçava marginalmente numa cidade também marginal, numa região metropolitanamente marginal.
Bebíamos poesia, música e outros tragos. E ele era uma pessoa luminosa, gentil e cativante, como ainda é, e que, de vez em quando sacava um poema para nos deixar mais lúcidos. Ou, a nosso pedido, cantava em francês - para nós, em soberbo francês - Ne Me Quitte Pas. Maysa não faria melhor. E traduzia aquela parte de autoflagelo do amante aceitar ser à sombra da amada, ou do seu cão. Adorávamos. Era o carimbo de que a noite valera a pena. A última vez que estive com ele foi numa FLIP, ele debatendo sobre Ferreira Goulart. Eucanaã Ferraz, grande poeta. Enorme agente de agitações nas letras. Grande figura.
“Tentei prender um guizo
No pescoço da hora
Mas ela sobre nós arremete
Um fogo frio e tão afoito
Que não pude salvar um só instante
De nossa pele se quebrando”
(do livro: Escuta – Eucanaã Ferraz)
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Vemelho, com Ana Diniz. Lindo videoclipe de Léo Leiner.
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