Festa no Céu
Nos saraus do céu não há hierarquia. Mas existem infinitas confrarias de afinidades. Dentre as quais as mais animadas sao as que reúnem músicos e poetas. Foi-se o tempo da música das esferas como som único a embalar o torpor dos anjos.
Certa noite, Castro Alves, Noel Rosas e Clementina trocavam versos e compassos inusitados com Michael Jackson, Jimi Hendrix e Jovelina Pérola Negra. Cabral, o João que não gostava de música, fazia um reggae meio estranho com o Chico Science, que ficaria lindo na voz da Clara Nunes. Beethoven ensaiava passos de samba e dizia que o agogô seria o suprassumo numa sinfonia. Nisso Paulinho Silva chamou-o num canto para mostrar o final da peça que na terra não concluíra.
Vinicius, espantado com as possibilidades de letra e música do Silvio Maluco, perguntou onde ele havia aprendido tamanha desarmonia criativa. Niésio Lima ouvia tudo atento enquanto desenhava um retrato do Gabiru, que sorriu debaixo do chapéu e disse: sei não, acho que esse pessoal tá meio de bobeira aqui. Vamos fazer um festival celeste, galera?
Ninguém queria organizar nada, tal era a variedade que ali se encontrava. A Amy tentava convencer John Lennon a acrescentar na letra da nova canção um trecho do poema do Soneca. Cacaso e Leminski na torcida. Tudo que antes fora separado, agora grudava fácil, fácil. Até o Ariano, animado: quero fazer o Auto Espiritual do Balacobaco. Drummond, quase sempre quieto, esfregou os joelhos: tem que chamar a Elis. E a Dalva também. O Eudes Pestana concordou.
Eli chegou tocando cítara. Silvio Monteiro e Gonzaguinha pegaram seus violões. Tim Maia puxou com seu vozeirão: me dê motivos! Ninguém conseguia ficar parado. Todo mundo balançava o corpo astral. Até que a porta do céu se abriu. Olha só quem veio para a festa: Antônio Cícero, Tavinho Paes e Arthur Moreira Lima! Ainda um pouco perdidos, mas surpresos em ver tanta gente conhecida, os três foram recebidos com abraços carinhosos.
Jorge Cardozo
02 de novembro de 2024
(Adaptação de texto original escrito há alguns anos.)
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