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Foto do escritorPaulo Castro

LEÃO DE CHÁCARA



Paulo Castro, o Paulinho do Cavaco / foto: Cedro Rosa
Paulo Castro, o Paulinho do Cavaco / foto: Cedro Rosa

A toda hora, olhava o relógio e dava uma espiada no interior da boate. Dez pras cinco da manhã e ainda havia um casal bebendo a décima saideira. Fez um sinal pro garçom, que aproveitou a deixa, e colocou a conta em cima da mesa, pedindo desculpas e explicando que a casa ia fechar. O casal entendeu, frequentadores antigos, liquidaram a bebida num gole só, pagaram e se despediram prometendo, se Deus quiser e o fígado permitir, voltar no dia seguinte.


Estudava para fazer o vestibular de Direito. Aluno regular no Ensino Médio, agora se dedicava com afinco aos estudos. Não faltava às aulas, frequentava os aulões extras nos sábados e domingos, fazia todos os exercícios das apostilas, enchia o saco dos professores com suas dúvidas. Muito bom na área de Humanas, era fraco nas exatas. Dificuldade em Química e Física. Estudante de escola pública, quase não teve aulas dessas disciplinas. Da segunda, somente no primeiro ano. Não havia professores. Caso crônico nas escolas do estado. Terminou o namoro de quatro anos: não tinha tempo para isso. Largou a esquina, a turma, o chope e o futebol de praia. O foco era a aprovação no exame e, mais tarde, a carreira de delegado da polícia federal.


 

Escute Quem me Acordou, de Paulinho do Cavaco e Luis Pimentel. Repertório Cedro Rosa.

 

Sempre quis ser policial. Dois primos já eram do quadro da Civil: um, delegado; o outro inspetor. Quando os encontrava e ouvia as suas bravatas, sentia que ali estava a sua vocação: apreender quilos de maconha e cocaína no Jacarezinho, de madrugada, depois de intensa troca de tiros com os marginais; prender chefes de milícias perigosíssimos na zona oeste, enfrentando guarda-costas fortemente armados; botar pra correr assaltantes de carros-fortes, que atiravam com metralhadoras ponto 50 contra a sua pistola ponto 40. Na verdade, o que os dois contavam era pura ficção, pois não eram operacionais: um estava locado na Divisão de Crimes da Internet, lutando bravamente contra hackers, e o outro dava aulas de Português na Escola de Polícia, enfrentando valentemente, de peito aberto, erros de ortografia e concordância. Não andavam armados e nem portavam a carteira policial. Morro, só subiam o da Urca para fazer caminhadas na pista Cláudio Coutinho. Eram, porém, os seus ídolos. Ia ser igual a eles na coragem e na bravura.


Trabalhava das dez da noite até a saída do último freguês, lá pras quatro ou cinco horas da manhã. Como veio parar ali? Um dos primos, sabendo da sua dificuldade financeira, o indicou para ser leão de chácara numa das boates de que um colega tomava conta. Não era forte, não era de briga, mas era bom de papo. Isso é que importava, dizia o primo. Leão que se preza não ruge, não morde: acaba com o conflito no papo.


Boate de frequentadores idosos, geralmente, os caras que arrumam confusão estão bêbados, não se aguentam em pé, gesticulam, gritam, tudo pra impressionar a acompanhante, mas, no fundo, rezam pro leão chegar e apaziguar a situação. Isso ele fazia bem: ouvia as queixas recíprocas, mostrava que eles estavam sem razão, ou com razão, tanto fazia, levava-os pra fora e dizia que a casa teria prazer em recebê-los no dia seguinte. Não era bom para a boate ter briga em seu recinto ou proximidades. Nem pra ele, que não sabia nem queria dar um soco em ninguém. Ia levando a vida assim esperando os dias do exame.


 

Escute Reunião de Condomínio, de Paulinho do Cavaco,

gravado no CD Roda de Samba no Bip Bip.

 

Que chegaram. Fez as provas e, “alea jacta est”, voltou à vida normal: praia, futebol, turma até às nove. Tentou, até, reatar o namoro. Não deu: a moça tinha feito vestibular pra um novo amor e agora namorava o primo policial. Afinal de contas, o primo já era policial. Tudo bem! O importante era o foco. E o grande dia chegou. Resultado na internet. Publicação às vinte e três horas. Celular na mão, largou a porta da boate, foi, ansioso e angustiado, suando frio, para o calçadão da Atlântica. Digitou seu nome e número de inscrição. Sistema muito lento e caindo várias vezes. Quase uma hora e meia depois, veio o resultado e seu nome não constava na lista dos aprovados. Leu e releu, nome e sobrenome. Nada. Ficou mais de meia hora sentado no banco da calçada, olhando o nada, desolado. Desesperar jamais! Ainda havia a possibilidade das inúmeras reclassificações.


Caminhou em direção à boate e recebeu a notícia: aquele casal, aquele que havia prometido voltar, voltou e arrumou uma briga danada. Outros casais se envolveram e estavam quebrando toda a boate. O gerente berrava: “Segurança! Segurança!” Ele, porém, de celular na mão, conferia pela milésima vez, a relação de aprovados. Que segurança que nada! Conclusão: além de reprovado, foi despedido.


 

Petiscos


Roda de Samba no Bip Bip




CD + Filme + Show

40 Anos do Clube do Samba



Por Dentro da Cedro Rosa / Reunião de Pauta

Participantes de Vancouver/Canadá, Viana do Castelo/Portugal, Rio de Janeiro, São Paulo/Brasil.




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