Literatura / MILITARES, por Léo Viana
No mundo utópico que eu projeto pra quem vier depois de mim, talvez as armas de fogo fossem as primeiras coisas a sumir. Com elas as corporações militares, os caçadores, talvez até o tiro ao alvo tradicional. Guerras destruidoras, canhões, pistolinhas e bazucas, fuzis e metralhadores, revólveres, mísseis balísticos, armas atômicas. Não importa o tamanho, num mundo verdadeiramente ideal isso não faria sentido. E aí nem polícia, nem ladrão, nem assassino americano infeliz, nem bandido carioca, miliciano ou traficante.
O sonho, utópico ou não, é meu e sonho com o que eu quiser. Tem gente falando absurdos por aí muito mais insensatos e perigosos pra todos e alegando a liberdade de expressão pra se manter falando…
Na hora em que se anuncia, aos quatro ventos, que o projeto de orçamento do governo pra 2021, mesmo sem termos ainda saído da peste que nos assola (mais de 180 mil mortos em pindorama enquanto escrevo), prevê gastos substancialmente maiores para o Ministério da Defesa do que para Saúde, Educação ou Ciência e Tecnologia, achei oportuna a conversa. Mais ainda porque se trata de um governo em que há militares em funções que não guardam qualquer relação com sua formação, bem como tem sido deixada clara, desde a campanha eleitoral, a intenção de “militarizar” o ensino fundamental, em busca de uma pretensa “disciplina”. Olhando daqui, do meu particular ponto de vista, o fortalecimento da defesa soa como um puro fetiche, visto que não há condições objetivas para qualquer ameaça efetiva à nossa soberania territorial. O país do mundo que habitualmente faz isso por aí são os Estados Unidos. E pra nos defendermos deles, garanto que os recursos seriam insuficientes.
Num mundo integralmente dominado pelo capital, os únicos investimentos que fazem sentido são em educação e ciência. Eles sustentam a saúde, a alimentação, a defesa, a energia e a capacidade de nos adaptarmos no futuro à tal competitividade necessária pra sobreviver no mercado global. E se há, sim, estratégia, me parece haver pouco de militar nisso.
Mas se iniciei por aí foi pra dizer agora que há dois militares, na história do Brasil, que eu verdadeiramente respeito. Não vou negar a importância que tiveram os pobres e bravos pracinhas, mesmo sem agasalho direito pro inverno europeu, no fim de guerra na Itália. Beleza. Há livros ótimos e recomendo as “Crônicas da Guerra na Itália”, do Rubem Braga, que são excepcionais. Também há o monumento aos pracinhas, no Aterro do Flamengo, que merece uma visita. A guerra é um troço vil, abjeto, diabólico. Nossos soldados foram lá pra ajudar a terminar com ela.
Mas eu falava do respeito a dois militares em especial. E curiosamente, não são o Martinho da Vila e o Arlindo Cruz, que vestiram farda em diferentes momentos, mas – aleluia – preferiram o samba.
Meus ídolos de farda são Candido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) e João Candido Felisberto (1880-1969).
O Marechal Rondon, nome de umas tantas ruas, avenidas e cidades pelo Brasil (sem contar Rondônia, uma homenagem de milhares de quilômetros quadrados), se meteu numas confusões por dever de ofício, tava no golpe da Proclamação da República, na Revolta da Armada e na Revolução de 30. Nossa história talvez tivesse sido diferente sem esses três quiproquós, mas não tô preocupado com eles a esta altura dos acontecimentos. A melhor parte da história de Rondon se deu nas andanças pelo Brasil de dentro, o dos caboclos e índios. Foi lá que ele defendeu as populações mais desatendidas de ataques que poderiam vir do próprio Estado que as deveria defender, estimulou que se criasse o Parque Nacional do Xingu, estabeleceu contato com muitos povos isolados.
“Morrer, se preciso for. Matar, nunca.” Com essa expressão, Rondon, que se referia ao contato com aquelas populações do centro oeste e norte do Brasil, ganhou pra sempre uma vaga no pantheon dos melhores brasileiros. E ele tinha acabado de levar uma flechada envenenada, que só não teve maiores consequências porque usava uma bandoleira de couro...
Num momento como o que vivemos, em que as populações indígenas são abandonadas à sua própria sorte e em que é estimulada a ocupação das terras indígenas por garimpeiros e grileiros, em que há a intenção inequívoca de desmontar a Funai (herdeira do Serviço de Proteção ao Índio, fundado pelo Rondon) e os órgãos ambientais, um cara como ele faz uma falta que não dá pra medir.
Curiosamente, o outro também tem Cândido no nome. João Cândido Felisberto, o Almirante Negro do samba imortal de Aldir Blanc e João Bosco, também tem vaga no abre alas da melhor parte da nossa história. E conquistou a vaga lutando contra os maus tratos que o andar de cima se acostumou a aplicar à ralé.
No caso dos militares, isso se traduzia, mesmo alguns anos após o fim da vergonhosa escravidão institucional brasileira, em castigos físicos degradantes, incluindo a chibata. Quando entram na equação os baixos soldos e má alimentação dos marinheiros, a absoluta maioria deles descendentes de escravos, o resultado não poderia ser bom.
Como todo movimento precisa de liderança em algum momento, é aí que entra ele. Perdeu a paciência, rompeu com a hierarquia, liderou os revoltosos (Revolta da Chibata, 1910) e pagou caro por isso, tendo sido expulso da Marinha (o governo tinha prometido anistia pra obter a rendição) e preso, após uma segunda revolta em que não teve participação direta. Foi solto em 1912 e, sem a Marinha, se tornou estivador e peixeiro. Num daqueles tropeços históricos que também pesam sobre outros bons sujeitos, acabou passando parte da vida militando entre os integralistas (anauê!).
Mas Abdias do Nascimento e Dom Helder Câmara também tem esse mau passo em suas fichas. Acontece.
Morreu pobre, morando em São João de Meriti, aos 89, em 1969.
Daqui de onde falo, em meio a uma pandemia, no Rio de Janeiro de igrejas, traficantes e milicianos, sob um governo federal indigentemente dirigido a – e por - interesses diferentes daqueles que deveriam nortear qualquer governo, mas cheio de militares em lugares onde eles definitivamente não deveriam estar, a minha aversão aos fardados aumenta.
Mas aumenta na mesma proporção a minha admiração a esses dois heróis improváveis, paisagem desbotada na memória das nossas novas gerações.
Léo Viana é escritor.
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