Lugar para a Fé
Voltei a ler Kant para buscar uma segunda redenção, tendo sido a primeira em Boston. Naquela época, me apaixonei por sua filosofia também por motivos pessoais. Desde o início da adolescência, ouvia meu pai tentar nos forçar suas ideias não só depressivas como totalmente materialistas.
Ele falava num tom de voz monótono, mas ainda assim não dava chance de ouvir nada que sua audiência tentasse dizer. Às vezes, eu achava que ele tinha bons argumentos pra provar o que dizia, e me tornei quase fóbica daquelas ladainhas, pois na verdade eu não queria ser parte de uma existência puramente material. Então pra mim, naquela época, conseguir provar a existência de Deus se tornou tão urgente quanto dar validez `a minha própria vida. Até estudar filosofia em Boston, ficava matutando sobre essa prova.
Quando comecei o estudo, achava o máximo os racionalistas que consideravam a razão não só inata como uma tal fonte de conhecimento, que podia demonstrar a existência divina por si só, sem recurso `a experiencia. Mas cada vez que um filosofo empirista os contrariava, eu voltava a me angustiar. Meu curso foi uma montanha russa entre alívio e indignação, até eu conhecer Kant.
Acompanhei sua demonstração de que as provas dos racionalistas eram “furadas”, e me encantei com sua declaração de que no tocante ao divino, o conhecimento racional tinha que ser posto de lado para dar lugar a fé. Essa revelação em grande parte me libertou de um compromisso intelectual sufocante e melhorou a minha relação comigo mesma.
A Crítica da Razão Pura se tornou uma bíblia pra mim. Embora Kant só mencione a fé no que concerne a nossa busca da divindade, achei que outras dimensões irracionais, como a visão poética do mundo e a experiencia mística, contactam o divino. Incrível como a filosofia pode mudar nossa vida: Fiquei de bem comigo e com o mundo.
Prossegui o estudo e fiz alguns cursos de Kant a nível de mestrado. Notei que os kantianos não gostam, simplesmente, de Kant: são apaixonados por ele. Na certa, o criador da obra prima da filosofia (na opinião de vários filósofos) mudou, a nível pessoal, muitas outras vidas como a minha.
Hoje, tento fechar o círculo. Graças `as palestras de Luc Ferry, decidi reler a “Crítica”. Tendo ido além de meras cem páginas, já posso entender os outros motivos que me encantam nessa obra. Quando era estudante, eu achava que ela identifica um coração incrivelmente puro ao pique da inteligência. No que se diz ser a “Crítica” obscura e complicada, eu vejo um rigor tão extremo quanto delicado na transmissão e explicitações de cada parte dela.
Kant se esforça para tornar acessível seu pensamento; seu texto não é difícil pela maneira conforme escreve, mas sim por sua própria profundidade. Kant não inventa palavras e nem se deleita em ser obscuro, como acontece com muitos. Acho que ele expos suas ideias da forma mais simples que conseguiu, ou que seria possível.
O estilo de Kant transmite uma humildade inédita, pois o filosofo conta com a necessidade absoluta do que afirma não poder nem conhecer e nem provar, como as ideias de Deus, liberdade, e imortalidade, enquanto ideias reguladoras, ou suposições que guiam a busca cientifica e ética da humanidade.
Vejo um halo de santidade na Crítica da Razão Pura significar também uma reconciliação entre polos opostos da filosofia. Acho também a firmeza do pensamento de Kant absolutamente moral, e sua mensagem de liberdade e liberação toma conta de nossa alma.
Hoje mesmo li que, segundo CG Jung, Kant foi o “último filósofo”. Último ou não, ele foi definitivo para mim.
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