Memórias de um Cachorrinho (5)
- Eleonora Duvivier
- há 3 dias
- 3 min de leitura

A cama japonesa que eu ganhei é ótima e é pertinho do chão. A mamãe diz que em cama mais alta ela se sente numa bandeja, e eu tenho que fazer mais força pra pular no colchão. Mamãe diz que ficar perto do chão faz ela se sentir mais parte de tudo em volta dela, isso me faz pensar que ela é um pouco cachorro também. Na hora de dormir ela agradece a minha presença e diz que a melhor hora pra ela é deitar naquela cama comigo do lado “ancorando” ela, e quando a Maya quer ela vem também e a mamãe diz que somos todos do “mesmo pack”. Diz que tem o maior orgulho de ter conseguido esse mundo dela com a gente na sua vida. Porque isso não é fácil, tem muito cachorro burro por aí. Ela fica pensando na felicidade de ter um colchão tão confortável num quarto só da gente, isolado desse mundo de loucura total e que a gente pode esquecer por toda a noite. Essas horas ficam separadas do dia que passou e do que vai começar, ficam horas infinitas de bondade. Parece que a gente entra de volta na barriga do céu e fica ali protegido antes de voltar pro chão com o dia que chega.
A mamãe acorda mais cedo do que eu e não faz barulho, mas eu sinto ela acordada diferente do que ela dormindo e abro logo os olhos. Ela me faz muita festa e fala toda a penca de apelidos que me deu: Luluco, Pithuko, Little Man (que foi inventado pelo Chris), Sunday de caramelo, Sua Fofura, Gracinha, Lindinho, Amooooôr! e por aí afora. Cada um desses apelidos faz eu me sentir um cachorro novo num mundo diferente. Mas o meu nome de verdade é Bowie, e mamãe so diz ele quando fala de mim com o Chris e a Tweety, acho que pra ficar mais sério e eles ouvirem ela direitinho! E ela sempre fala a meu favor!
Mamãe diz que viajar fica mais difícil pra ela com essa cama delícia aqui no quarto mas eu sei que o mais difícil pra ela é me deixar. Ela sofreu muito quando eu era um filhote e o pai da Tweety resolveu ir com ela pra Barcelona porque sabe que ela ama Barcelona e ele queria emendar o casamento. Quando ela estava em Barcelona, eu sentia que ficava triste longe de mim. Ela não parava de pensar em mim e eu sentia lá em Boulder. Ela quase voltou antes das duas semanas que o pai quis ficar, não parava de explicar pra ele que um cachorrinho é o ser mais puro do mundo, um cachorrinho é a alegria da alegria, e por isso ela não queria ficar longe de mim pra poder curtir bem a minha filhotice. “Não é sempre que se tem essa chance!” ela dizia toda hora e o vento trazia a emoção dela pra mim.
Toda manhã, ela adorava ouvir as minhas patas no chão de madeira correndo da ala da Tweety pro quarto dela, dizia que parecia uma tempestade de pétalas de rosa caindo na cabeça dela, mas em Barcelona acordava com o despertador pra decidir o que ela e o pai já todo nervoso iam fazer.
O pai contou quando voltou que quase pediu pra alugar um dos cachorros que passavam com os donos só pra brincar com a mamãe, como se eles pudessem me substituir!
Mamãe ficava querendo que ele entendesse que duas semanas são uns cem dias na vida de um cachorrinho e ela tinha medo de nem me reconhecer, quando voltassem. Antes de sair, ela nunca tinha pensado que ia se sentir daquele jeito. Achava que estava se traindo de ter me deixado pra viajar com aquele cara todo nervoso, que ainda por cima detesta viajar e arranja jeito de ter chilique por qualquer coisa. Mas eu fiz força pra não mudar muito, e quando ela chegou, disse “Graças a Deus” que eu ainda era o mesmo. Não parava de dizer “Que alívio!”.
Me chamou de umas palavras que só falou naquela vez: “Minha fofura renascente!”
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