NEGRITO, ARIAL, 14
Queria encerrar o conto, mas não encontrava uma palavra que desse um fecho a ele. Na verdade, não procurava uma palavra, mas, sim, "a" palavra. Era cuidadoso com os seus textos, pois eles iriam se incorporar, através da leitura, ao universo literário dos leitores.
Foi ao seu repertório de professor de Língua Portuguesa, mas não descobriu uma que se aplicasse ao fechamento da estória, onde havia amor intenso e descoberta da felicidade vividos por um idoso no bairro dos idosos, a sua Copacabana. As palavras estavam impregnadas de sujeitos, objetos diretos, indiretos, servindo muito mais à análise sintática do que à literatura.
No dicionário, só achou palavras frias, que não se adaptavam ao clima do conto, cujos personagens eram movidos essencialmente pela emoção. Serviam para classificação do número de sílabas, do gênero, número, sinônimo, antônimo... Sentiu que deveria andar por outros caminhos.
Procurou nas letras dos sambas de Paulinho da Viola, Cartola, Nélson Cavaquinho. Escolheu esses três porque conhecia grande parte da obra deles, o que tornaria a busca mais agradável. Ia cantarolando enquanto lia. Descobriu, entre belas imagens, palavras maravilhosas, saborosas, mas que não se adaptavam ao fecho da narrativa. Em Cartola: " Queixo-me às rosas/Mas que bobagem/As rosas não falam/Simplesmente as rosas exalam/O perfume que roubam de ti, ai"
Ouça a música SAUDADES DOS MEUS BOTEQUINS, com Tomaz Miranda. Repertorio Cedro Rosa. Musica de Luís Pimentel e Paulinho do Cavaco, ja nas plataformas digitais.
Correu, então, para os poetas: Bandeira, Drummond, Cecília, Adélia... A leitura de alguns poemas possibilitou novamente um imenso prazer, mas não conseguiu o que desejava, ficando um pouco frustrado. Em Cecília: "Ai, palavras, ai, palavras,/que estranha potência a vossa!/Todo o sentido da vida/principia à vossa porta;/o mel do amor cristaliza/seu perfume em vossa rosa;/sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota..."
Algumas páginas de cronistas e contistas também não deram em nada. Por incrível que pareça, não puderam ajudar: Rubem Fonseca, Rubem Braga, Machado, Clarice. Em Braga: "Às vezes, também a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou alguém a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia; a sonhar um pouco, a sentir uma vontade de fazer alguma coisa boa."
Sempre foi amigo das palavras, tratando-as com carinho, sabendo da sua importância para a sua vida e a dos leitores. O que queria transmitir só poderia ser feito por uma única e jamais por outra. Lia e relia seus textos e, não encontrando a palavra certa, pedia licença e a substituía. Assim o fazia várias vezes até encontrá-la.
E, nessa luta, lembrando Drummond: "Lutar com palavras/é a luta mais vã./Entanto lutamos/mal rompe a manhã", o tempo passou e, agora, duas da madrugada, talvez um chope relaxante no "Bunda de Fora", botequim da esquina aberto dia e noite, desse uma luz na busca dessa sua amiga resistente.
No "Bunda", assim chamado pelos mais íntimos, uns três ou quatro frequentadores, tomando a eterna saideira e discutindo o último jogo da Seleção, davam uma sobrevida ao boteco. Palavras se misturavam aos gritos técnicos e pornográficos. Pediu um chope e retirou-se para a beira da calçada a fim de descansar a mente. Mais um com colarinho, pagou a conta e retirou-se caminhando devagar. Conseguiu, de longe, ainda ouvir ecos da discussão: frases recheadas de gírias e palavrões, que davam graça à discussão. "Porra nenhuma! Convocar esse cara pra Seleção é o fim! É o fim!".
No caminho pra casa, achou que, por encanto, poderia ter descoberto a sua palavra, aquela que lhe traria o sossego, fechando o conto como desejava. Estava, quem diria, escondida em um espaço nada literário, perdida entre gritos e gargalhadas, na boca dos técnicos de plantão.
Chegando, abriu o Word no notebook, releu o conto, e, sim, ela se encaixava perfeitamente. Sem dúvida, era ela! Digitou, então, em Negrito, Arial, 14:
FIM.
Caiu na Rede!
Roda de Samba no Bip Bip
Escute Reunião de Condomínio, de Paulinho do Cavaco. Disco Roda de Samba no Bip Bip.
MPB - Genero que foi sedimentado a partir dos Festivais da Canção, a partir dos anos 1960
Live:
Música e Direito Autoral - Roberto Menescal, Ana de Hollanda, Gloria Braga e Tuninho Galante.
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