O chamado da natureza
José Luiz Alquéres
Membro Titular do IHGB
Existe em Ipanema uma escola pública municipal denominada “Presidente José Linhares”. A exemplo do que ocorre em muitas outras, dedicadas professoras da escola procuram na medida das suas possibilidades mitigar as limitações da administração pública. Assim, no desastroso período Crivella, frequentemente promoviam coletas para reforçar o lanche das crianças, adquirir quimonos para aulas de judô, contribuições para festas juninas e outras celebrações que encantam a garotada e criam um espírito de civismo. Hoje, na gestão Paes, o apoio do município está regularizado. Há poucas semanas um episódio singular lá se passou.
Um galo, vindo do morro apropriadamente denominado Cantagalo, se estabeleceu, para alegria geral, no telhado da escola, onde era alimentado por migalhas lançadas pela criançada e, por semanas, encantou o local.
Indignados com o canto da emplumada ave nas madrugadas, porém, moradores dos prédios contíguos, de muito esquecidos da rotina da vida rural, chamaram o Corpo de Bombeiros para retirar o novo e indesejável vizinho.
Duas viaturas e cinco bombeiros compareceram e invadiram o telhado no afã de prender o galo, que, conseguiu escapar para uma árvore próxima. Passaram, então, os bombeiros e suas escadas para a árvore. Mas, o galo foi subindo até ficar inacessível no mais alto ramo da árvore.
Fim do dia, com a tarefa não cumprida, os bombeiros recolhem a escada e vão para suas viaturas, ainda em tempo de ver o galo majestosamente planar até o alto do telhado e cantar sua vitória em um sonoro có-có-có-ri-có.
Esse episódio me lembra o ocorrido na Grécia com Henry Miller e outros intelectuais locais, como o poeta Kaváfis, após uma noite de bebedeira. Eles decidem subir até a Acrópole para ver o sol nascer. Lá chegando, ainda escuro, com as distantes cores róseas da madrugada surgindo, Kaváfis decide acordar a cidade. Ele sobe em um milenar pedestal e, imitando um galo, lança o seu canto na escuridão.
Silêncio. Kaváfis repete. Silêncio. Após algumas tentativas, um galo distante como que responde. Estabelece-se então um curioso diálogo entre o poeta, que sente a natureza, e a natureza, que ele vai despertando. Primeiro um galo, depois dois galos, e em pouco tempo, centenas de galos, despertados fora da hora, entoam um canto infernal regido pelo poeta bêbado (certamente de Ouzos).
Mas, o melhor então aconteceu, acordado por essa algazarra, surge brilhante Apolo no seu carro de ouro e ilumina a bela paisagem.
A vida, tão trágica, precisa ser levada com um pouco de apreciação da natureza, para o que a poética é essencial.
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