O problema não é o marqueteiro. É a falta de política

Consta que um escravo seguia na carruagem do líder romano César (100 a.C. — 44 a.C.), dizendo ao ouvido dele: “Lembre-se de que você é humano e que um dia vai morrer”. O objetivo disso seria evitar que César se deixasse embriagar pelo poder.
Esta historinha, verdadeira ou não, poderia ter muita serventia hoje no Brasil.
Poucas coisas são mais perniciosas para um governante do que bajuladores. Não bastasse a existência deles, em razoável quantidade no entorno de Lula e da primeira dama, a qualidade do atual Ministério é muito inferior à dos mandatos anteriores. Note-se que já nem faço comparação com o governo de Jango, tal a disparidade entre ambos.
Ao falar da mediocridade do primeiro escalão do governo Lula 3, não tenho em mente só a presença nele de políticos de direita, de bolsonaristas e de integrantes do Centrão. Há quem justifique a presença deles com a correlação desfavorável às forças progressistas. Há quem diga até que, sem as concessões que faz, Lula seria derrubado — o que é discutível.
Note-se, ainda, que a entrega de cargos a esse tipo de gente não serviu sequer para que os deputados e senadores de seus partidos passassem a apoiar propostas do governo. Continuaram alinhados com a direita, dificultando iniciativas do governo.
Essa política é desenvolvida em nome da ”correlação de forças”. Mas será que é necessária? Ou a existência da direita passa a ser funcional para aquele setor da esquerda que se rendeu ao neoliberalismo?
Não se trata de ignorar a correlação de forças na sociedade e no Congresso ou ter como princípio não negociar no parlamento. Mas a falta de rumos e de objetivos políticos claros está levando o governo Lula para o buraco.
O que falta a ele não é um bom marqueteiro, como parece crer o presidente. O ministro anterior da Secretaria de Comunicação (Secom) era mesmo muito fraco. Mas é ilusão achar que os problemas maiores do governo se resolvem melhorando a publicidade.
Tudo seria diferente caso Lula levasse a luta política para a sociedade e não mantivesse o debate circunscrito às quatro paredes, o que torna a negociação sempre desfavorável ao governo. Um cenário assim é sopa no mel para os chantagistas que ameaçam paralisar a administração caso não tenham suas reivindicações por cargos e verbas atendidas. Mas nunca é demais lembrar que quem cede a chantagistas fica sujeito a novas chantagens.
Mesmo abstraindo-se os ministros de direita, e considerando-se apenas os petistas ou integrantes de partidos progressistas, a comparação com o time que compôs governos anteriores do PT é muito desfavorável à turma que cerca o presidente no atual mandato.
A situação se agrava quando — sempre em nome da “correlação de forças” — até mesmo o PSol já teme criticar a política econômica e o tal arcabouço fiscal de equipe de Lula, de clara inspiração neoliberal.
Não se trata de — num momento que já é difícil para o governo, como demonstram fartamente as pesquisas — fazer de Lula a Geni da música de Chico Buarque. Por várias razões, e a maioria delas relacionada à falta de uma política clara e antenada com os interesses populares, não foram criadas alternativas a ele em 2026 para barrar a volta da extrema direita. Mas isso não pode fazer com que a falta de politica não seja criticada. Mas ter uma posição acrítica ao governo Lula simplesmente porque ele é o único anteparo à volta do bolsonarismo não nos levará a lugar nenhum. Já é senso comum que o governo Lula é muito ruim.
O puxa-saquismo tornou-se quase lugar comum. Em outros tempos houve gente na esquerda e no PT capaz de falar francamente com Lula. Isso mudou.
Dirão os lulistas defensores do alinhamento (quase) automático com o neoliberalismo: “O movimento de massas está fraco e não há como se contrapôr à direita”.
Menos, gente. Isso é verdade só em termos.
Há exemplos de vitórias em situações em que setores progressistas resistiram a propostas da direita. Cito exemplos recentes: 1) o projeto de privatização das praias, de autoria de um dos filhos de Bolsonaro; e 2) a tentativa de criminalizar o aborto feito por meninas estupradas.
Em ambos os casos houve mobilização, indignação popular e a direita se viu forçada a recuar.
Outro exemplo: a vitória da população indígena e ribeirinha do Pará, que conseguiu revogar a lei do governador Helder Barbalho que acabava com ensino presencial nas escolas dessas áreas.
No momento atual, pelo menos três bandeiras podem sensibilizar a sociedade e os trabalhadores. São propostas que já estão na mesa. Mas seria preciso que Lula, o governo e os partidos progressistas as abraçassem, usando as armas de que dispõem. Dentre elas os meios de comunicação, com coletivas de imprensa e inclusive requisitando redes de rádio e televisão, o que pode ser feito pelo presidente.
A primeira, a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais. Diante do impacto dessa proposta na classe média e nos segmentos que têm trabalho com carteira assinada, já há bolsonaristas propondo — claro que por provocação — que a isenção alcance quem ganha até R$ 10 mil. Podemos aceitar a sugestão.
A segunda bandeira seria o fim da isenção de imposto de renda sobre lucros e dividendos, coisa que inclusive compensaria a perda de arrecadação que a primeira medida traria. Muita gente não sabe, mas ao contrário dos assalariados que pagam o imposto na fonte, no Brasil empresários podem declarar seus ganhos como lucros e dividendos. Basta isso para que estejam isentos. No mundo, apenas Brasil e Estônia têm essa gambiarra indecente.
A terceira medida seria o imposto sobre grandes fortunas, coisa que existe na maioria dos países. A proposta foi feita por meio de uma medida provisória de Fernando Henrique Cardoso, mas até hoje não foi regulamentada por pressão da direita e covardia da esquerda.
Seria interessante ver se a oposição seria contrária a essas três bandeiras. E cobrar uma posição delas. Não tenho dúvidas de que elas seriam um bom ponto de partida para mobilizar a sociedade e mudar a tal “correlação de forças”.
Resta saber se haverá coragem política para que sejam tomadas iniciativas que, certamente, vão desagradar o capital financeiro e a direita.
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