PADRÃO
A perspectiva através da qual vemos/sentimos/sofremos/experimentamos/vivemos o mundo é personalíssima. Nenhum de nós, mesmo os mais parecidos sob qualquer critério, dos gêmeos idênticos aos ideologicamente formados no mesmo arcabouço teórico, pensa ou sente absolutamente igual a outro. A variação pode até ser pequena, mas seria certamente captada num daqueles testes estatísticos bem básicos. Até dentro das bolhas!
Ao longo da vida, nada me assustou mais que tentativas de padronização de comportamentos. Frequentei muito o “cantinho do pensamento” nas salas de aula do ensino básico porque não me comportava como esperavam que eu me comportasse, apesar de entregar resultados acima da média.
Curiosamente, em simultâneo com a fuga do padrão, que é inerente a grande parte da humanidade, ocorre também uma busca por identificação com grupos, claro. Ou os adolescentes não seriam tão parecidos entre si, ou os militantes de esquerda ou direita, os sambistas, os farialimers, os religiosos, enfim, gente cuja semelhança não se dá por um fator de origem, mas por opções e aspectos sócio-culturais adquiridos. Mas isso não os torna iguais. Cada um carrega uma bagagem pessoal única, que pode ou não convergir para as mesmas tomadas de decisão em cada situação. Haverá, para além do que os une, os gostos pessoais, opções estéticas, musicais, culinárias.
Aquela vista a que nos acostumamos, das monumentais paradas militares uniformes a passo de ganso, sejam elas na Coréia do Norte ou na Alemanha nazista, são parte de uma frustrada tentativa de padronizar comportamentos e percepções, um exercício que os exércitos buscam desde que se organizaram, sei lá quando, mas ainda na antiguidade. É obviamente menos complicado disparar ordens e garantir seu cumprimento sob uma situação de igualdade de receptores. Não sei se os exércitos aliados ou russos marchavam melhor que os alemães, mas ganharam a guerra.
As torcidas organizadas, um de nossos melhores exemplos da busca ativa por comportamentos comuns em tempos de paz, são grupos absolutamente heterogêneos, normalmente movidos pelo calor do momento da partida e que, não raro, ou quase sempre, vivem conflitos internos em virtude da tomada pessoal de decisão de algum membro, ou alguns deles. Nem é preciso muito esforço pra lembrar grandes confusões envolvendo membros das torcidas, geralmente em número muito menor que seu grande conjunto.
Escuta essa playlist!
Quando os atuais dirigentes do Brasil, em discurso supostamente pró-liberalismo econômico, apelam pra práticas militares e tentam impor um padrão de formação e comportamento baseados na negação da diversidade (a tal escola sem partido ou cívico-militar), assistimos a um recuo filosófico-temporal tão absurdo que me faltam adjetivos para qualificá-lo.
Numa sociedade diversa como a nossa, o maior trunfo está justamente na variedade de experiências, origens, percepções.
Não fossem as diversas demonstrações de amadorismo político, disfunções cognitivas, psicopatias variadas, desonestidade intelectual, crueldade explícita e desvios de caráter, e eu acharia que eles, os dirigentes, realmente acreditam que algum tipo de padronização de comportamentos levará ao desenvolvimento de uma sociedade melhor.
Afinal, Hitler pensou a mesma coisa e – ufa – deu errado. E o exército dele, convenhamos, marchava bem melhor que o nosso.
Rio de Janeiro, novembro de 2021
Mariozinho Lago, Paulão 7 Cordas Os Cocorocas.
Roda de Samba
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