Paulinho da Viola, a vida, o Rio e eu.
O Globo de 9 de janeiro trouxe uma maravilhosa entrevista com Paulinho da Viola, que comemorará 80 anos em novembro.
Antes disso, eu completarei 78 anos. Deste modo, posso me considerar alguém que vivenciou similares dilemas ao longo das várias idades da vida. Vivendo na mesma cidade, cada um em seu diferente caminho, acompanhei, fã anônimo, a sua trajetória. Lendo o artigo, me senti perto dele - como nos sentimos espiritualmente perto dos artistas da nossa geração. Deu-se o mesmo na semana passada, quando li no mesmo jornal a entrevista com o pintor Luiz Áquila. Eles interpretam e nos revelam o tempo que vivemos. Continuo impactado pelas respectivas arte e sensibilidade.
Para pontuar isso em 5 momentos, eu relato fatos e busco lembranças em algumas de suas músicas belíssimas.
Lembro bem de cantarolar versos do seu primeiro sucesso ("Recado", de 1966), em uma época em que tanto ele como eu, ambos universitários na casa dos vinte e poucos anos, passávamos, certamente, por inquietações semelhantes:
Leva o recado
A quem me deu tanto dissabor
Diz que eu vivo bem melhor assim
E que no passado fui
Um sofredor (sic)
Poucos anos depois, aí sim, encontro o amor profundo, que perdura, ao som de "Foi um rio que passou na minha vida", grande sucesso em 1970:
Senti meu coração apertado
Todo meu corpo tomado
Minha alegria voltar
Desde então, aquele rio amado comanda os meus afetos, somando-se aos deum outro Rio, o Rio de Janeiro, foco das minhas atividades profissionais.
Em um terceiro momento, naquele diabólico meio-dia da vida, nos anos 90, quando a insônia povoada de desafios enormes acampa em nossa casa, e ainda que estejamos cercados de pessoas amadas, a angústia nos consome, eis que volta Paulinho com a música "Dança da Solidão". É um tempo que ficará marcado à fogo na memória por esta canção, mas em magnífica interpretação posterior de Marisa Monte, filha de um amigo fraterno, também nosso contemporâneo, Carlinhos Monte. É uma música que Paulinho compôs pensando em Roberto Carlos, o Rei - cuja sensibilidade põe em versos, sentimentos que contam a sua biografia:
Desilusão, desilusão
Danço eu, dança você
Na dança da solidão
..
Meu pai sempre me dizia
Meu filho tome cuidado
Quando penso no futuro
não esqueço meu passado.
Então, com aquela lição paterna, volta a aparecer, límpida, a esperança, em meio à desilusão.
Apesar de tudo existe
Uma fonte de água pura
Quem beber daquela água
Não terá mais amargura
Navegar é preciso no mar E na vida. Para Paulinho, na música. Para mim, nas obras e escritórios. Depois, eu me aposentei. Viro empresário e, um belo dia, liderando uma plêiade de colaboradores, assumo a Presidência da Light. Uma empresa desvalorizada que, então, dava prejuízo contínuo havia 9 anos e com empregados no auge da baixa estima. Tive, então, a oportunidade de conduzir as coisas ao meu modo. Traçar um plano e implementá-lo com a equipe da casa.
Em pouco tempo e muita dedicação o sucesso veio. Para marcar aquele momento de três anos de lucro e bom clima de trabalho, resolvemos celebrar o lema que havíamos adotado na entrada: O Rio é Light. Rico em diferentes significados. Os nossos ideais de Perseverança e Superação haviam sido alcançados com apoio de toda casa, inspirados por Lars Grael, membro de nossa equipe de Direção. Ele, um grande símbolo para nós e para o Brasil. Organizamos, então, uma audição da OSB no Theatro Municipal. Sessão exclusiva para nossos empregados e colaboradores. Roberto Minczuk explicou o que era uma orquestra e a música de cada instrumento para uma audiência da qual 90 % nunca tinha visto uma só ao vivo e, muito menos, estando em um grande teatro (alguns me agradeceram o convite de visitar "o castelo"). Ônibus fretados trouxeram funcionários de toda nossa área de concessão.
No clímax da noite, sai a orquestra e entra Paulinho da Viola. Com o lema "O Rio é Light". Presente em panneaux e na cabeça de todos os 2.500 assistentes. Todos escutaram, aplaudiram delirantemente e cantaram o refrão "Foi um Rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar...".
Com os aplausos, Paulo dá uma canja. Ele arremata, me surpreendendo, com "O Timoneiro", de letra belíssima de Hermínio Belo de Carvalho que, anos depois, terá seu livro "Taberna da Glória e outras histórias" editado pela minha Edições de Janeiro.
Não sou eu que me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
...
Timoneiro nunca fui
Que eu não sou de velejar
O que eu estava ouvindo, Paulinho?? Eu com Lars ao lado. Minha equipe me achando (ah húbris!) o próprio "Timoneiro" da canção! (não como o Mao, quero crer!).
Ouvi, pensei, caí em mim - no ato - com a lição que involuntariamente me era passada e a audição acabou muito alegre com uma visita ao camarim onde finalmente pude cumprimentar, conhecer e trocar umas palavras com o meu ídolo.
Um ano depois, vítima do sucesso, a minha gestão na Light acabou de forma melancólica para mim. Reabilitada, lucrativa, a empresa foi vendida por cinco vezes o valor que havia sido comprada. Isso ocorreu em um momento em que eu me encontrava arrasado. Havia perdido, duas semanas antes de ser comunicado deste fato, minha filha, genro, neto e queridos amigos em um trágico acidente de avião. Profissionalmente decepcionado, família arrasada, estava lá o "Timoneiro" à deriva.
Meus rios me trouxeram de volta à vida. E, vendo a matéria sobre Paulinho em O Globo, repenso a sua presença no palco, e volto ao Timoneiro:
E quanto mais remo, mais remo
Pra nunca mais acabar
Essa viagem
E assim eu faço, com os meus rios no coração - minha mulher, minha família, meus amigos e minha terra - pensando os mistérios da vida e da morte, enquanto procuro interpretar para onde os ventos e as correntes conduzem as nossas naus, hoje tão carentes de timoneiros sensatos.
Contribuo agindo, mais do que nunca, mas ciente, como outros da minha geração, que neste mundo já sou mais hóspede em estalagem de pernoite do que dono de estabelecimento. Entendo que todos devem ouvir as histórias do Paulinho da Viola, do Luiz Áquila e dos nossos artistas e dos nossos verdadeiros intelectuais, porque eles é que mantêm acesa a chama da criação, essencial para inspirar a construção de um melhor futuro para o Rio de Janeiro e para o Brasil.
José Luiz Alquéres, Presidente do Conselho Estratégico da Casa Firjan, Ex-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro
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Adorei!!! Bárbaro seu texto.