Pelo Pluralismo
- Mônica Aguiar
- 28 de mar.
- 3 min de leitura

Fui criança durante a Guerra Fria, e minha infância foi embalada pelas notícias da guerra do Vietnã, o choque do petróleo, o rodízio de carros, os filmes de espionagem com vilões que vinham do outro lado da cortina de ferro e queriam destruir o mundo tal como o conhecíamos. Apesar das explicações fornecidas pelos adultos, eu tinha a sensação de ter chegado atrasada ao mundo, não conseguindo entender o que estava se passando, como quando entrava no cinema com o filme já começado, só que sem a opção de ver o começo na sessão seguinte e ajeitar tudo na minha cabeça.
Sou fã de romances policiais, sobretudo os mais contemplativos, aqueles em que o investigador flana pelas ruas de sua cidade enquanto paralelamente investiga um assassinato. Além das autoras britânicas, mestres no gênero, me encantei uma época com o Inspettore Brunetti, protagonista dos livros de Donna Leon, um veneziano apaixonado pela sua cidade, que percorre as ruas da Sereníssima em busca de respostas para os crimes que precisa elucidar. Uma das personagens da série é Paola, esposa de Brunetti, uma aristocrata cuja família possui um Palazzo no Gran Canale. Paola é uma mulher intelectualmente sofisticada, professora de literatura inglesa na universidade local. Num dos livros da série, somos apresentados às suas leituras políticas. A cada dia da semana, ela traz para casa um jornal diferente, passeando pelo amplo espectro ideológico que caracteriza a sociedade italiana. Achei a ideia genial, embora difícil de ser aplicada no universo mais restrito da imprensa brasileira.
O pensador francês Raymond Aron, autor de muitos livros e declaradamente liberal, dizia que aprendemos mais dos autores dos quais discordamos do que daqueles de quem somos próximos. A um colega que desejava incluí-lo numa coletânea de pensadores liberais, ele confessou que pouco os havia lido e que devia sua formação a um autor do qual divergia: “Não há, porém, outro autor que eu tenha lido tanto e que me tenha influenciado tanto quanto Marx, de quem não parei ainda de falar mal.”[1] Com esta afirmação, Aron nos mostra a importância de fortalecer a musculatura intelectual lendo ideias que fogem à nossa concordância, que nos fazem questionar nossas certezas e nos instigam a superar nossas limitações.
O mundo de hoje, mais frenético, tem relegado o exercício da leitura a um segundo plano. A mídia tradicional, impressa, tem perdido cada vez mais espaço. Paola Brunetti talvez não fosse encontrar, na banca da esquina, o sortimento de jornais a que estava acostumada. Aron se remexeria no túmulo, vendo os desatinos coléricos da atual direita francesa. Ambos, contudo, continuariam lúcidos e bem informados, buscando conhecimento e aproveitando o melhor que as novas tecnologias podem nos proporcionar.
Atualmente, é fácil encontrar repositórios de artigos acadêmicos sobre os mais variados temas. Instituições internacionais de renome publicam em seus sites estatísticas e informes confiáveis. Universidades lançam vídeos com debates entre especialistas. Para aqueles que não têm tempo, podcasts de boa qualidade podem ser ouvidos enquanto se lava a louça ou se passeia o cachorro.
Em tempos polarizados, convido a todos a se informar melhor e a exercer o saudável hábito do distanciamento crítico. Gosto sobremaneira da expressão inglesa “tomar as coisas com uma pitada de sal” (a pinch of salt), significando que devemos sempre dosar nossa crença no que está sendo dito. Só assim haverá espaço para o diálogo respeitoso e a aceitação do pluralismo.
[1] ARON, Raymond. O Marxismo de Marx. São Paulo, Ed. Arx, 2003 pag. 260
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ABC da Geopolítica, podcast de Mônica Aguiar.
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