Pixinguinha, o não-Carnaval, a guerra, e o amigo aniversariante
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Meus amigos, nem sei a quem isso interessaria, mas preciso expressar algo em resposta a esse saracotear de algum bicho no meu peito. Ele caminha e sinto o apalpar de suas patas aveludadas. Não machucam, mas incomodam. Angustiam. Certamente tem a ver com o estado de espirito esfrangalhado por mais um ano sem Carnaval. Menos um ano de vida que parece passar sem um sentido mais completo. Some-se esse estado de espírito à realidade do recrudescimento da propalada defunta, Guerra Fria. Mais quente do que nunca.
Escrevo no dia 28. Último dia de fevereiro, tecnicamente, como dizem agora, é Segunda-feira de Carnaval. Ontem assisti mais uma vez ao lindo filme ‘Pixinguinha, um homem Carinhoso’, de Denise Saraceni. Com as sensíveis interpretações de Seu Jorge e Taís Araújo. O filme é tocante, sempre, mas num domingo de Carnaval impedido de acontecer, vocês hão de convir, que minha alma tinhas todas as razões do mundo para estar com as portas e janelas escancaradas.
Sempre que ouço ‘Carinhoso’, me vem à lembrança o meu avô João, o seu “João Caramujo”, que era guarda da Central do Brasil e lanterninha de cinema. Lanterninha não existe mais. O cinema, um tal Cine Verde, em Nova Iguaçu, também não. Nem tampouco o meu avô. Com exceção de quando salta de minhas lembranças, sempre que ouço a majestosa criação de Pixinguinha/Braguinha. Mas nesse domingo vendo o filme, quem veio me fazer companhia, foi meu pai. João Caramujo ficou à distância, apreciando. Acho até que em respeito ao que o período carnavalesco representava para o velho Laís, meu pai.
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Voltei no tempo e lá estava eu sentado na varanda vendo os amigos do meu pai chegarem com as fantasias. Iam se aprontar para colocar o bloco na rua. Algumas marchinhas chegavam junto: “Domingo é dia, de pescaria, lá vou eu de caniço em samburá...”. Os foliões cantarolavam, em meio a infindáveis goles de cerveja, enquanto ajustavam os adereços. Outras vezes era o rádio de casa que reverberava a alegria que era corroborada pelo grupo: “As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar, eu passo mão na saca, saca, saca-rolha e bebo até me afogar...”
Meus pais formavam um casal apaixonado pelo Carnaval. Um sentimento que certamente não alimentavam um pelo outro na mesma proporção. Deve ter sido por isso que a quarta-feira de cinzas do casamento chegou bem cedo. Eu era ainda bem guri. Mas isso é outra história. O que eu quero dizer é que vem daí, a minha desvairada paixão pela folia momesca, como diria José Duba. Por isso o desânimo e a melancolia que me nocautearam nesses dias.
Eu me encaminhava para o velho laptop para traçar essas mal faladas quando alguém ligou. Era um primo, Luciano, com o qual eu não conversava há alguns anos. Falamos de assuntos diversos e lá para as tantas ele perguntou por um amigo meu, o Antônio Carlos Merath Reis, que se mudara para os Estados Unidos no final dos anos 1980. Coincidentemente minha filha Carolina me lembrara mais cedo que o dia 28 de fevereiro era o aniversário dele. Mas esse meu amigo-irmão partiu muito antes do combinado há uns três anos e pouco. O que muito me feriu e ainda sangra. Essa lembrança também colabora para o meu estado de espírito estar assim, como o oposto do que estaria num dia de Carnaval de verdade.
O noticiário deu uma trégua sobre a tragédia de Petrópolis, sobre os 650 mil mortos pela pandemia (sem contar a subnotificação, claro). Já não falava dos milhões de desempregados, dos milhões que passam fome no país, do genocídio de negros e pobres, de Brumadinho. Agora se ocupam com o risco de uma guerra mundial a partir do imbróglio Rússia-OTAN. Caramba! Já há uma guerra extraoficial acontecendo em nosso território. Lá nós não temos nenhuma possibilidade de interferir. E um país sem Carnaval? Não abala mais ninguém? Se meu amigo Merath, o aniversariante do dia, estivesse aqui, diria com seu jeito prático: “Besteira discutir quem é o bandido nessa história. Se acontecer uma guerra nuclear, de que vai adiantar saber quem é o vilão? As baratas serão totalmente indiferentes a essa questão”. É isso. Abraço, João Caramujo, abraços pais carnavalescos, abraço Merath, meu irmão. Saudades.
“Meu coração, não sei por que
Bate feliz, quando te vê
E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim” (Carinhoso – Pixinguinha/Braguinha)
Samba e carnaval 2022
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