Poema de Amor entre Criador e Criatura.
- Eleonora Duvivier
- 14 de set. de 2024
- 9 min de leitura

Vou começar dizendo que a essência de toda religião é o amor entre o Criador e a criatura. Não só na religião, como na arte e literatura, esse amor é um arquétipo (“Pygmalion” na mitologia grega e na peça de Bernard Shaw, “My Fair Lady” no filme, etc.)
Através de um estudo da oração do Senhor no Aramaico, língua original de Jesus, se descobre grande afinidade entre a mensagem dessa oração e certas religiões e praticas orientais, nas quais o corpo, ou a dimensão física, tem tanta importância quanto a mente, e a introspecção aponta para diversos tipos de meditação que nos ensinam a buscar nossa essência, ou o nosso eu verdadeiro, nossa alma pra melhor dizer, dentro de nós mesmos.
Na interpretação do Padre Nosso que vou relatar, redescobrimos Jesus numa liberdade poética que, sem ser dogmática ou tampouco discriminante, é muito menos acusadora e tudo reconcilia na divindade, expressando a sua pureza imaculada através do primitivismo versátil do aramaico.
A sua tradução ocidental, entretanto, reafirma a drástica divisão entre matéria e espírito, paraíso e terra, coisas do céu e coisas do mundo, como geralmente faz o pensamento puramente racional e julgador, que só consegue entender o "sim", através da sua oposição ao "não", quer dizer, só consegue enxergar a realidade através de uma constante polaridade entre extremos.
No “Mito da Caverna”, Platão, por exemplo, nos descreve como seres caídos da verdadeira realidade, do mundo das “formas”, ou essências. Seu pensamento separatista coloca a divindade ou essência bem acima de nós, pecadores carentes.
Claro que ao nos infantilizar dessa maneira, a ocidentalização da prece de Cristo nos transforma em pobres pedintes e empurra a responsabilidade da nossa transformação espiritual para a piedade do Pai supremo, aquele diante do qual o quanto mais nos humilhamos, mais somos dignos de sua ajuda. Que fórmula fácil e barata!
Acredito que a prece original de Jesus, por outro lado, ao invés de simples pedido a uma divindade externa, que ao existir separada de todos os humanos, ganha total responsabilidade sobre eles (Tende piedade de nós) nos entrelaça com a fonte de criação, ambos agindo juntos, criaturas e criador identificados na reciprocidade do mesmo amor.
Claro que a experiencia desse amor corresponde a um estado de Nirvana enquanto lembrança de que moramos em Deus assim como Ele mora em nós. Já dizia o poeta Kabir:
"Todos sabemos que o pingo de água se mistura no oceano, mas poucos sabem que o oceano se mistura no pingo de água."
Mas diante de exemplos, é necessário dizer que de acordo com o livro Living the Prayer of Jesus, de Stephanie Rutt, o Cristianismo, diferente de outras religiões, que nascem da transformação de mitos em dogma, nasceu da própria experiencia mística através de Jesus.
No seu maravilhamento, plenitude, e reverencia, essa experiencia mudou a vida dos primeiros cristãos, os que se tornaram apóstolos de Cristo. Sem forma verbal, ela só podia ser expressa na exclamação do seu próprio êxtase, "Ahhh..."
Considera-se que o desejo de dar forma `a tal revelação foi o que levou um dos discípulos a pedir que Jesus lhes ensinasse a rezar, "Senhor, ensinai-nos como rezar" (Mateus 6:9-13 e Lucas 11:1)
As palavras com que o Mestre respondeu ao pedido compõem o poema que mantém viva a exclamação de êxtase original, a qual, na tradução para o grego, e depois para outras línguas, foi perdida.
No original Aramaico, Jesus começa com ela, na primeira palavra da primeira frase de sua oração:
Abwoon d’bwashmaia (Our Father, who art in heaven).
Abwoon, que se pronuncia, Ahh bwoon, quando o Ahhh nos lembra o absoluto, o único, e Bwoon também pode ser traduzido do aramaico como o processo contínuo do nascimento pelo som e vibração através da respiração, quando a vida é recriada a cada momento.
Enquanto Abwoon se refere `a fonte original da criação, Shmaya- parte da palavra d'bwashmaya- indica a manifestação do absoluto através da respiração, vibração, luz, e som. Disso pode se dizer que estamos mais intimamente conectados com nosso criador pelo próprio respirar, que é a função mais elementar. A consciência da respiração nos leva ao laço mais íntimo e recíproco com Ele: Ahhh .
Jesus queria que seus discípulos tivessem, como ele, uma experiencia visceral da divindade a que pertenciam. Queria que eles se sentissem, também, respirados por Deus. Essa interação no processo contínuo de fazer nascer pela respiração, Deus também sendo respirado por nós, lembra o místico cristão do século Xlll, Meister Ekhart, ao dizer:
"Somos todas mães de Deus."
Na sua dimensão tanto orgânica quanto espiritual, sentir-se respirado por Deus é a entrega mais completa.
A oração continua, Nethquadash shmakh, que, traduzido para "Santificado seja o vosso nome", tem também em aramaico, o significado de criar espaço para Deus dentro de nós, desde que a palavra Nethqadash também se refere à reserva de espaço a ser preparado no chão para uma planta especial. Nesse caso se relaciona`a preparação, na nossa própria vida, para nos tornar capazes de ouvir a voz divina, que ainda remota, já está dentro de nós.
A raiz shm in shmakh concerne o nome divino. Jesus está lembrando aos discípulos manter o nome de Deus fora de qualquer comportamento inadequado, e "Como a divindade que os chamou, sejam distintos na sua maneira de viver. Pois está escrito, ‘Santifiquem-se e se consagrem, porque eu sou sagrado’” Peter 1, 15-16.
Desde que a conexão com nosso criador já existe dentro de nós, precisamos cultiva-la e nutri-la, quer dizer, manter nosso foco em sua direção, desapegando-se de muita coisa que pode impedir o seu crescimento e envolve muito do que, até então, podia ser simples habito.
Como sempre pensei na minha própria interpretação de Jesus, ele estendeu a todos nós o seu próprio parentesco com o pai, assim como o papel de cada um em relação a Ele. Quando aprendi que em aramaico não existe palavra que possa distinguir o que está dentro do que está fora, percebi que essa própria língua, no seu primitivismo, já envolve a postura mística de identificação com o que nos rodeia: “ O Reino de Deus esta entre voces” sendo o mesmo que “O Reino de Deus esta dentro de vocês”.
Tendo Platão sido o pai do pensamento ocidental, que é separatista na sua própria racionalidade (que embora glorificada pelo filosofo como o caminho para as essências ou “formas” tudo congela e limita dentro de conceitos) concluí que a tradução do Padre Nosso para a língua de Platão, que é mais racional e classificadora, e desta para todas as outras línguas, muito alterou a sua mensagem, começando por eliminar a postura mística que o próprio Aramaico naturalmente envolve na identificação do mundo interno ao externo.
E sendo o misticismo o traço fundamental do Cristianismo, que parte da união de um homem (Cristo) com Deus, e cuja principal celebração é a Eucaristia, que significa a união material e espiritual com Cristo através do ato que, embora metafórico, não deixa de ser fisco, desde que os fiéis comem o corpo divino e bebem seu sangue, devemos a Platão a intelectualização do cristianismo e a consequente distancia do divino ao ser situado somente bem acima do humano.
Desenvolvendo o poema de interação amorosa entre criatura e criador, o que conhecemos como "Venha a nós o vosso reino", correspondendo a Teytey malkuthakh, o que é
sugerido por Teytey, além da tradução para “venha”, são imagens de desejo mútuo relacionados `a câmera nupcial em que serão satisfeitos na união do homem com Deus, dando começo ao nascimento.
Diga-se de passagem, que Teresa D’Avila e outros místicos cristãos, como São Joao da Cruz (grande poeta da literatura espanhola) falam da união com Deus como um casamento de amor e frequentemente a descrevem em termos eróticos.
Malkuthakh pode ser traduzido como reino, mas também involve, na raiz malkh, o significado aconselhar, expressando o reino de Deus como o estado em que o direcionar do Criador é realizado. Teytey Malkuthakh pode então ser interpretado também como "Alinhe-se com o Criador".
Trata-se de se alinhar com Deus ou de se identificar com a sua presença no amor recíproco da câmara nupcial, ato extremo e imediato de comunhão. Na comunhão todos os limites entre os seres que comungam são abolidos, seja através do atavismo canibalista (a que aliás Jesus se remete na última ceia ao dizer aos discípulos que bebam o seu sangue e comam o seu corpo) seja na experiencia mística.
A frase seguinte da oração, traduzida para "Seja Feita a Vossa Vontade", do original, Nehway tzevyanach aykanna, também quer dizer “Manifeste a Visão, seja o paraíso na terra." Tzevyanach significando vontade como um tipo de desejo, uma cooperação harmoniosa que inclui disciplina, concernindo então o desejo do coração além do estado ideal ou mental. Aikanna é a vontade de consistência e estabilidade no desejo do coração de Deus ser feito na nossa vida.
"Assim na terra como no céu", do original d'bwashmaya, aph bharha, ( b’arh’are ahhhh) quando d'bwashmaya se refere `a luz, vibração e som fazendo o cosmos nascer, enquanto que aph bharha aponta para o suspiro dos humanos sempre que sentem o apoio da terra sob si, a frase original podendo então ser interpretada como "Torne-se o paraíso na terra".
" O reino dos céus é aqui e agora ", disse Cristo no Sermão da Montanha, evocando a plenitude do momento presente dos lírios do vale e que é buscada no Zen Budismo. Desconhecendo oposições entre este mundo e o do espírito, tornar-se paraíso na terra significa receber o que já está em nós, a vontade divina para cada um, e dela agir com alegre paixão.
"O pão nosso de cada dia nos dai hoje", traduzido de Hawvlan lachma d'sunqanan yaomana, também se interpreta como "Lembre-se da plenitude", pois Hawlan significa "dar", e lachma traduz-se para "pão" e também "entendimento", enquanto d'sunqanan significa recebermos o que precisamos sem acumulação, e yanomana se refere a "momentos iluminados e diários". Vejo nisso a identificação entre a dádiva do pão e a de entendimento, comida e espírito.
"And forgive us our debts", from Washboqlan khaubayn (wakhtahayn), washboclan significando "retorno a um estado original", Khaubayin se referindo a "dívidas" na versão de Matteus, e "pecados" na de Lucas. Mas, do Aramaico, pode também querer dizer "falhas", "erros", "ofensas acidentais", "esperanças frustradas".
"As we forgive our debtors", de aykana daph sknan shbwoqan l'khayyabayn.
Perdoar é se libertar. Aykana novamente nos indica que essa libertação deve ser consistente e regular. Perdoando e nos tornando livres reconhecemos que o que ocorre internamente
acontece externamente.
"E não nos deixe cair em tentação", do original, Wela tahlan l'nesyuna. Considerando-se que Wela tahlan significa não nos deixe entrar, e Nesyuna tanto pode ser traduzido para "tentação", quanto para "esquecimento", ou ainda, "perder-se em aparências", a frase original também pode ser interpretada como "Resista ao esquecimento", no caso, o da nossa própria verdade, ou nossa união com Deus, como o grande místico Gurdjieff, em suas próprias palavras, nos recomendava.
"Tentação", ou l'nesyuna, sugerindo a possibilidade de nos perdermos nas aparências materiais, envolve a importância de que não haja nenhuma entidade externa que nos tente. A causa dos estados de tentação é interpretada como o nosso próprio esquecimento, que leva nossa atenção ao exterior mundano e nos desvia da nossa plenitude interior.
Claro que é difícil, mas o Cristianismo é difícil. Por isso Gurdjieff dizia que só houve um cristão, e seu nome era Jesus Cristo.
"Mas livrai-nos do mal" provém de ela patzan min bisha, em que min bisha, traduzido por "mal", se estende também à noção de "imaturidade". Enquanto estamos sincronizados com a presença interna da divindade, nossas palavras e ações são certas para cada momento.
Em tais circunstâncias, há abundância de sincronicidade e podemos experimentar sermos levados pela divindade interna que nos respira para a vida a cada momento. Nossa "música” é então cantada por nosso criador através de nós.
Assim seja. "O reino de Deus é aqui, agora". Amor entre criador e criatura, ele está em Deus e em nós se conseguirmos nos lembrar!
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