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Foto do escritorEleonora Duvivier

Quando Tudo é Coração (O Mundo antes da Palavra, 2)


Edgard Duvivier, pai

Na casa nas montanhas, papai transformou meu irmão e eu nos heróis de uma estória que desenhou em quadrinhos, dando-nos mais independência do que poderiam ter duas criancinhas como nos. Era fascinante ver ele desenhar, pouco a pouco me reconhecendo num primeiro personagem e dirigindo minha atenção para o segundo, que começava a se destacar da brancura da folha de papel através do movimento da caneta que eu seguia arrebatada, percebendo que dava forma a meu irmão. Aquele traço vivo de grafite no caderno sobre colo de papai era numinoso indo aqui e ali, expressando o fluxo de criar como que tornando visível o segredo de meu irmão e eu sermos quem éramos e termos a aparência que tínhamos. No que papai nos estendeu para as crianças que desenhou, não só lhes dando nossos nomes e semelhança, mas nos transformando através delas em personagens de uma estória, ele nos lançou numa outra existência, nos batizou de novo. A generosidade com que uma estória nos recreou num lugar que transfigurou me fez sentir escolhida, designada.


Eu e Edgar, ainda tão pequenos e redondinhos, vestindo nossas roupas de banho no mesmo tecido de oncinha, decidimos pescar. Que emoção saber que estávamos prestes a fazer uma coisa tão além do nosso poder, mas que ainda assim se fazia sentir tão real quanto a inexorabilidade com que vinha a ser naquela folha de papel. Uma nova linha do lápis fez nascer um barco ao nosso lado. Nas próximas cenas o empurramos para a água, entramos dentro dele e começamos a remar sozinhos para longe da praia. Surgindo do vazio do papel sobre o colo de papai, tudo aquilo parecia mais verdadeiro que a realidade.


Edgar estava num dos lados da poltrona em que ele se sentara para desenhar, seu rosto batendo pela altura dos joelhos de papai, e eu, um pouco mais alta, me encontrava do outro lado. Com uma admiração que não parava de crescer, eu observava a linha do lápis começando outra cena e nos lançando ainda mais longe no além. Dentro do barco, Edgar e eu aparecíamos no meio do mar, prontos para pescar naquela impressionante extensão de água à nossa volta. Senti medo, pois mesmo que nada de ruim nos acontecesse, a esfera de possibilidade em que tínhamos entrado era tão gloriosa e infinita que parecia proibida. Já sem quase poder acreditar, de novo reconheci Edgar no desenho seguinte, segurando um anzol dentro da agua, e mesmo sendo ele pouco maior que um bebê, conseguiu na próxima cena fisgar um peixe maior do que nós e que apareceu resplandecente no ar como que proclamando a nossa façanha. Mas era tão grande que no desenho seguinte fez o barco virar e nossos remos afundaram. Edgar conseguiu endireitar o barco e depois de entrarmos nele de volta, me perguntou como iríamos fazer para voltar para a costa. Na próxima cena, uma toalha magicamente apareceu ao nosso lado, e sugeri que a utilizássemos como uma vela, e o vento se encarregou do nosso regresso.


Como um deus, papai nos deu uma missão e o poder de cumpri-la, fazendo meu coração transbordar de uma gratidão anterior ao mesmo tempo que além das palavras. Voltamos sem peixe, mas sãos e salvos de uma aventura tão ousada. A alegria que senti por fazer parte daquela estória explodia no meu peito, e mesmo que esta tivesse terminado, a sua verdade, o fato de termos ganhado um papel além da realidade, nunca acabou para mim.


Ao chamado de mamãe, sentamos `a mesa de jantar para a sopa diária que tomávamos nas montanhas e de que nunca esqueci. Continha largas folhas de repolho, couve, milho, batatas e raízes típicas do solo brasileiro. Melhor do que a sopa, me lembro da beleza impressionante do Cristo crucificado que papai tinha feito, na parede em frente `a nossa mesa rustica. Assim como papai era ambivalente ao sentir o espírito da natureza e ser jurado a um determinismo sem alma, ele também o era ao fazer, no seu ateísmo, arte sacra com paixão. A escultura era enorme, e a presença de Jesus no seu corpo torneado e sofrido, vindo da densidade da cruz de madeira através da brancura do gesso com que era feito o Cristo, presidia nossas refeições da sua altura olímpica. Aquela parede tinha pé direito alto e podia acomodar com generosidade o tamanho bem maior que o natural que tinha a escultura e fazia com que aparecesse monumental pra mim quando olhada la de baixo ate as letras INRI sobre a determinação de uma coroa de espinhos brotando da cabeça do Cristo como que dotada de vida própria e cruel. O rosto de Jesus era como o de papai ao transmitir majestade e dor.


A grandiosidade como era lançado as alturas o elevavam sobre seu sofrimento e o tornava superior a tudo, rei de si mesmo e do mundo. Ele e a aventura que papai criou para nós sempre me dizem que a vida é a busca de uma estória para nos erguer acima de nos mesmos seja na dor ou na alegria, como um designado caminho la de cima, para salvar o mundo do nada.

Poder ser personagem de uma aventura impossível concebida por papai era final. Todos os seus elementos, como o barco, o anzol, os remos, eu, Edgar, e a água deram forma a uma estória em comum, o mesmo pulsar que bombeava vida a tudo que abrangia. Na autossuficiência daquele mundo que criou, todas as formas eram coração e o coração era todas as formas, a comunhão que procurei por toda a minha vida em maneiras e circunstâncias diferentes.


 

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