Quem disse que seria fácil?
"Pensa em uma pessoa feliz".
Foi a primeira coisa que ela pensou ao abrir os olhos naquela manhã, afinal no dia anterior saiu a nota que faltava para ela ser oficialmente declarada formada no curso de Psicologia.
Foram cinco anos difíceis, como não se lembrar do dia que chegou aos berros em casa e disse aos pais que havia passado no vestibular, que seria psicóloga, seu sonho desde criança e nada, absolutamente nada iria impedi-la de realizar seu sonho.
Bom, talvez não fosse tão simples assim.
O pai dava um duro danado como operador de máquinas na fábrica de pneus e a mãe fazia bolos, salgados e vendia na vizinhança, talvez arcar com os custos de uma universidade não fosse algo tão simples assim, mas dizer isso a filha, a única filha deles também não seria tão simples.
“Que notícia maravilhosa minha filha, estamos muito orgulhosos de você.”
E foi assim que tudo começou, pelo menos na cabeça dela foi assim que teve início a história de sua formação, mas vamos voltar novamente ao dia do anúncio de que ela havia passado no vestibular.
“Você perdeu o juízo homem”?
“Como vamos conseguir pagar cinco anos de faculdade, a gente não tá conseguindo pagar nem as contas que já temos.”
No fundo ele sabia disso, a mulher como sempre estava certa, mas alguma coisa precisava ser feita e ele estava decidido a encontrar uma solução e foi exatamente isso que ele fez.
“Vou dar um jeito. Faço hora extra, arrumo outro emprego de final de semana, faço uns bicos, sei lá o que vou fazer, mas nossa menina vai se formar de qualquer jeito”.
Foram anos difíceis, ela era a primeira da família a ter a oportunidade de ir para a universidade, conseguiu um emprego em uma empresa de telemarketing, o salário era horrível, os benefícios então nem sei se podem ser chamados assim, mas de alguma forma ela conseguia ajudar.
Apesar de ser uma excelente aluna muitas vezes viu o pai ou a mãe chorando, ela sabia o que aquilo significava, pensou em parar, pelo menos por um tempo, pensou em largar, talvez aquilo não fosse para ela, mas sempre ouvia dos pais que precisa ter forças e seguir na luta, afinal a cada dia que passava o fim estava mais próximo.
Muitas vezes se questionou se aquilo era certo, pensou nas amigas cujos pais tinham um poder aquisitivo melhor, que bancavam a faculdade, as viagens no final de cada semestre, as DP’s fruto de aulas perdidas por causa do “fluxo” na rua lateral da faculdade, do cartão de crédito que elas tinham, blasfemou, gritou horrores aos céus no íntimo de seu silêncio, mas estava decidida a superar essas adversidades, quem disse que seria fácil?
Aulas maravilhosas, aulas chatas, professores e professoras que mais pareciam amigos ou enviados do mesmo céu que por muitas vezes externou sua revolta, professores chatos que se achavam os verdadeiros donos do saber, mas no fundo ela sabia que aquilo tudo era passageiro e que precisa seguir em frente.
A rotina na empresa de telemarketing era cansativa apesar de trabalhar apenas seis horas por dia, xingamentos, desaforos, pessoas mal educadas eram coisas normais, que bom que pelo menos de vez em quando apareciam pessoas boas em seu caminho.
Cada novo semestre era como que um novo degrau alcançado, conheceu pessoas que ajudaram que incentivaram, mas seu chefe, no entanto sempre questionava o motivo dela se esforçar tanto para concluir a faculdade, “eu nunca estudei e olha onde eu estou. Para de perder seu tempo e gastar seu dinheiro e dos seus pais, aqui você terá muito mais oportunidades se focar seus esforços na empresa”.
Ele estava “na empresa” desde sua fundação em meados da década de 1990, entrou lá como atendente e foi subindo de cargo à custa de atitudes bastante questionáveis, talvez por isso nunca tenha se preocupado em estudar, e todos que optassem por esse caminho representavam uma ameaça em sua cabeça doentia.
Era exatamente por isso que ela precisa se formar, não queria se tornar “seu chefe” no futuro, e ela sabia que de alguma forma devia tudo aquilo a força de seus pais que desde o início entenderam e acreditaram no seu sonho doido de se tornar psicóloga.
Bom, o resto da história vocês já sabem, daqui alguns dias acontecerá a colação de grau de sua turma, a cereja do bolo que com certeza premiará todo o esforço dela, de seus colegas e principalmente de seus pais, e ela reconhece todo esforço, nunca conseguirá recompensá-los por isso.
Fico imaginando o orgulho deles quando ela for chamada para receber o canudo, receber a flor, tirar aquela foto com os amigos e com os professores que marcaram sua vida acadêmica, assinar o livro e receber o certificado... não sei se algum dia conseguirei saber exatamente o sentimento deles.
Enfim, todo semestre é possível encontrar alguém parecido com a protagonista dessa história, e que bom ter tido a oportunidade de ser lançado nessa essa carreira tão maravilhosa e poder fazer parte de caminhadas assim.
Como sempre só me resta parabenizar, dar uma última olhada nos olhos dos pais, muitas vezes encabulados por causa da simplicidade tão peculiar dos pais daquela região, dar um último abraço em todos e me despedir desejando sucesso, mas não sem antes dizer que o próximo café é por conte deles, afinal agora não somos mais professor e alunos agora somos colegas de profissão.
Paulo Eduardo Ribeiro, do Canal Ponte Aérea, para CRIATIVOS!
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