QUEM É VOCÊ?

- Não lembra de mim, certo?

Existe pergunta mais cretinamente fdp do que essa?

Ela traz em si uma pressão desumana.

Não é justo com ninguém, lembre ou não de quem faz a pergunta.

É o prenúncio da humilhação pública e irremediável.

Se você está na companhia de outra pessoa então, é coisa mais empata phoda que pode existir – aniquilando sem dó nem piedade toda estratégia de conquista pré-elaborada por você e que se encontrava em plena execução, a um passo da vitória, no caso o motel mais próximo.

Eu, por exemplo, sempre entro em modo pânico absoluto e imediatamente me lembro daquele careca que todas as manhãs fica me olhando por pelo menos dez minutos no espelho até eu me dar conta que sou eu.

Quem é você?, começo a me perguntar já com os primeiros sinais de tremedeira, o suor já começando a escorrer pelas têmporas.

Colega de infância, nas peladas de rua e no mata-mata da bola de gude, no longínquo subúrbio de Campo Grande; ou da turma de Dona Marina, no colégio São Paulo Apóstolo?

Uma ex-namorada cujo nome e a própria fisionomia, com um sorriso bastante bonito, minha estupidez achou por bem apagar da memória?

Alguém que me deve dinheiro, o que seria ótimo nesse momento de aperto, ou, pior, muito pior, alguém a quem eu devo e veio me cobrar na frente de toda essa multidão?

A veterinária que atende tão atenciosamente meu cãozinho Rex Rim Tim Tim e meu gatinho Tom Frajola?

A geriatra da minha avó Zinha?

Quem, meu Deus, quem será essa figura parada desafiadoramente diante de mim, me questionando?

Já me é impossível controlar o nervosismo e as palavras batem em retirada, numa estratégia covarde.

É neste exato momento que o bom senso começa também a me deixar na mão e só consigo pensar em soluções desesperadas.

Vomitar na criatura que me coloca nesta situação?

Simular um infarto?

Encenar um ataque de loucura e assumir de vez minha senilidade?

Cair em prantos, bradando que só de olhar pra essa pessoa as emoções se multiplicam num tsunami passional e me agarrar ao ser até que o constrangimento o convença a fugir dali correndo?

Porém nada parece satisfatório e a dura realidade me obriga a entregar os pontos:

- Sinceramente, não.

- Eu sou a moça da bilheteria, o senhor esqueceu de pegar o seu troco. Tá aqui, tudo direitinho. Confere, por favor.

Maldita memória.

Maldita pergunta.

Até a próxima esquina.

Artistas e projetos Cedro Rosa

Trilogia Mário Lago - Homem do Século XX

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Toninho Nascimento, autor de grandes sucessos de Clara Nunes, Paulinho da Viola

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