Reflexões sobre Bolsonaro, o Centrão e o suicídio
Cid Benjamin*
Um antigo ministro da Educação de Bolsonaro, Ricardo Velez Rodriguez, em entrevista à revista “Veja” certa vez tentou ser espirituoso e afirmou: “Liberdade não é o que pregava Cazuza, que dizia que liberdade era passar a mão na bunda do guarda”.
O forte dos bolsonaristas não é a sutileza – isto se sabe à exaustão. Quando eles se aventuram por esses terrenos, em geral dão com os burros n’água. Assim, o ex-ministro cometeu um engano. A frase original não era de Cazuza, tinha autoria anônima. Nos anos 80, ela foi estampada numa camiseta vendida pelo jornal de humor “Casseta & Planeta”. Era a seguinte: “Liberdade é passar a mão na bunda do guarda”.
Hoje, o presidente cada vez mais parece “mal dos nervos”, expressão usada pela minha avó, há mais de 50 anos. Atordoado, Bolsonaro não está falando coisa com coisa e, o que também é grave, nem consegue articular direito as palavras. Quando resolve fazer ameaças, então, como tem ocorrido ultimamente, só se atrapalha. É um verdadeiro desastre.
Ouça a música Bloco da Hiena , de Paulinho Cavaco. Repertorio Cedro Rosa, disponível para trilhas sonoras e gravações.
Decididamente, o genocida não vive hoje seus melhores tempos. A cada dia, cai mais nas pesquisas de opinião, se isola na sociedade e perde apoiadores que, mesmo mantendo posições reacionárias, envergonham-se do voto que lhe deram no passado.
A profusão de patacoadas de Bolsonaro e seus pazuellos é tão grande que para qualquer colunista se torna quase irresistível a tentação de transformar artigos políticos em pura gozação do governo.
As recentes tentativas do presidente de intimidar a sociedade foram tiros n’água. E, a cada ensaio ele saiu mais frágil. Sua última façanha – a micareta de blindados com que pretendeu amedrontar a Câmara de Deputados para a aprovação do voto impresso – foi grotesca. A coluna de tanques soltando fumaça preta parou diante do Palácio da Alvorada, um oficial saiu todo paramentado e, depois de prestar continência para o presidente, entregou-lhe um envelope com o convite para que assistisse a um exercício militar. Parecia coisa de filmes como “O grande ditador”, de Charles Chaplin, ou da revista “Recruta Zero”, que fazia a delícia das crianças em meados do século passado.
O episódio foi o que a garotada de hoje chamaria de “um mico”.
Pois bem, sepultada a palhaçada do voto impresso, devidamente enterrada com a votação na Câmara, imediatamente surgiu outra. Agora, a bola da vez de Bolsonaro é a tentativa de afastar ministros do STF que tomaram decisões que não foram de seu agrado.
Com a ajuda de um decadente cantor sertanejo e de alguns caminhoneiros, novas ameaças foram feitas num vídeo distribuído fartamente nas redes sociais. Mas, decididamente, Bolsonaro é como um tambor – faz barulho, mas é vazio por dentro - para usar uma expressão do velho Barão de Itararé.
O cantor tentou intimidar as pessoas acenando com uma gigantesca manifestação em Brasília no dia 7 de setembro. Ela teria o apoio de empresários do agronegócio e de caminhoneiros. E teria como desdobramento, nos dias seguintes, a paralisação completa do país. O quadro descrito era de fazer medo a incautos. Estradas seriam bloqueadas dias a fio, e só ambulâncias e veículos da polícia teriam autorização para circular. Faltariam alimentos, remédios e os demais produtos de primeira necessidade. Os organizadores do movimento chegaram a recomendar que todos fizessem provisões dos mais variados produtos.
Foi patético. Ficou-se sem saber se era o caso de rir ou de chorar. Ou, ainda, de buscar um psiquiatra.
Segundo o tal cantor sertanejo, no dia 8 de setembro cinco representantes do movimento, capitaneados por ele, levariam ao Senado o pedido de impeachment de dois ministros do Supremo Tribunal Federal. Aliás, pedido, não. Logo em seguida, ele fez a correção: “intimação”. E, do alto do seu chapéu de abas largas, ameaçou: se nada acontecesse num prazo de 48horas, a força seria usada.
Só que, a julgar pelo que a esposa do tal cantor afirmou depois em entrevistas à imprensa no dia seguinte, o moço estaria em depressão profunda, chorando muito e arrependido das ameaças. Diz que foi mal compreendido e que nunca pensou em agredir alguém.
Melhor assim. De qualquer forma, é recomendável que esse cidadão procure auxílio médico.
Enquanto isso, o ex-deputado dono de um partido de aluguel hoje convertido ao bolsonarismo - e frequentemente envolvido em comportamentos muito pouco republicanos – também afinou. Com a prisão decretada pelo STF, depois de posar para redes sociais com armas cuspindo fogo e ameaçando Deus e todo mundo, já pede para ficar em prisão domiciliar, alegando ter a saúde frágil.
Só falta chamar o tal cantor sertanejo, que agora também está deprimido, para cantar para ele um samba gravado pelo Bezerra da Silva e que tem uma letra sugestiva: “Você com revólver na mão é um bicho feroz; sem ele anda rebolando e até muda de voz...”
O cidadão que posou com uma pistola em cada mão, agora alega problemas de saúde para ficar na prisão.
Enquanto o circo mambembe vai adiante, o Centrão troca cotoveladas com um grupo de militares, na disputa por “negócios” muito pouco republicanos na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde. Parece que vai ganhar a parada. Afinal, tem mais prática nessas mumunhas e apresenta como trunfo a blindagem que garante a Bolsonaro no Congresso. De qualquer forma, ao que parece as duas quadrilhas ainda não se entenderam e a disputa não chegou ao fim, podendo ainda dar o que falar.
Escute Mart'nalia em "Ai, Ai, Ai, como estou Endividado".
De qualquer forma, como em briga de comadres se conhecem as verdades, a CPI da Covid já trouxe à tona denúncias mostrando que não foi só a incompetência do governo que levou o país a caminhar para os 600 mil mortos na pandemia. Foi também a corrupção. Foi o desejo de criar dificuldades na compra de vacinas de laboratórios sérios para fazer outros “negócios” com intermediários amigos que receberiam pagamento em paraísos fiscais – sempre com sobrepreço, claro.
Nesse quadro de desgaste de Bolsonaro, já se pergunta até quando o Centrão lhe dará sustentação. Afinal, como se sabe essa gente não se vende exatamente. Ela se aluga. E se o governo a quem está “prestando serviços” começa afundar, ela não vai junto.
Estamos falando de profissionais, de gente que não vale nada, mas que não nasceu ontem. Não entra na cova com o caixão que leva pela alça. Chegando na beirada, pula fora. Não é de se suicidar.
É bom que Bolsonaro tenha isso presente ao refletir sobre seus aliados.
*Jornalista
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