RELAÇÕES...
Desde menina, bem novinha mesmo, a Maria sentia que entendia os outros. Foi criança calada. Brincava muito, tivesse companhia ou não, mas falava pouco e gostava de ouvir. Da avó Judite, que a mimava o quanto podia, neta única que era, ouvia sempre o mantra “temos dois ouvidos e uma boca só”. Especialmente quando alguém se incomodava com o fato de a criança permanecer calada por longos períodos. Os pais acostumaram-se com os hábitos pouco ruidosos da filha.
Chegaram a se preocupar, levaram a especialistas, mas nada foi constatado. Nem uma leve tangência no chamado espectro autista. Ela só era mais calada que os coleguinhas da escola e que os inúmeros primos e vizinhos. Especulavam, todos, que talvez fosse o signo, o ascendente, o orixá de frente, o planeta regente. Até uma eventual vocação pra santa foi cogitada por parentes mais beatos. A Maria, atenta às especulações sobre sua personalidade, ria sozinha sobre as apostas dos adultos que a cercavam.
Cresceu assim, falando pouco e ouvindo muito. Inclusive muita besteira, sempre potencializada pelo fato de estar se tornando uma mulher bonita, pelos critérios machistas ainda dominantes. Mas nada a fez alterar o modo como se relacionava com o mundo. Estudava muito, foi sempre aluna exemplar, com notas acima da média nas turmas que frequentou.
Cultivou amizades que entendiam perfeitamente o seu jeito, teve os namoradinhos que deveria ter ao longo da adolescência. Mas também teve “derrotas”, quase todas involuntárias e igualmente derivadas do jeitão quieto. As meninas mais tagarelas a acusavam de mal-educada e antipática. A “metidinha” da escola, a “filhinha de mamãe”, como se não fossem todas. “Criada pela avó” era a acusação mais comum. E a menos ofensiva, convenhamos.
Os meninos, sempre mais superficiais, interessavam-se imediatamente pela aparência. A maioria, no entanto, se decepcionava diante da atitude observadora e da sagacidade calada da Maria. No pouco que falava não faltavam observações e críticas ácidas ao machismo daqueles moleques mimados.
Criou-se uma espécie de mito em torno da menina. Ninguém era indiferente à sua passagem. O período compreendido entre a segunda metade do ensino fundamental e o fim do ensino médio foi uma epopeia. Ao final, Maria estava entre as preferidas de todos os professores e professoras, pela assertividade de suas participações em aula, que eram poucas, mas precisas. E estava também entre as menos queridas pelos colegas, ainda que contasse com um pequeno grupo de amigos e amigas fiéis, capazes de defende-la em quaisquer situações. Os detratores diziam que o “grupinho da Maria” era interessado principalmente nas vantagens relacionadas ao bom desempenho dela nas disciplinas. Todos negavam veementemente e, de fato, nunca houve a menor desconfiança de que Maria tivesse dado cola a alguém ou usado sua popularidade com os professores para beneficiar algum colega.
Foi com esse histórico pouco usual que a Maria chegou à faculdade de Psicologia de uma grande universidade do Rio de Janeiro.
A experiência se repetiu em outra escala. Bela e quieta, assertiva e atenta, inteligente e discreta, conquistou mentes e corações, não necessariamente nesta ordem. Causava frenesis quando apresentava seminários. Gente interessada em ouvir sua bela voz e suas sempre excelentes apresentações vinha de toda parte. Professores disputavam o direito de tê-la como monitora de disciplinas. Um trabalho sobre semelhanças e diferenças entre Freud e Jung, ainda nos primeiros anos do curso, e que bem mais adiante seria o tema de sua tese de doutoramento, foi tratado nos corredores da faculdade como um clássico no Maracanã, tamanha a notoriedade que a aluna, involuntariamente, conquistou entre colegas e professores.
Um dia a Maria conheceu o Jairinho. O Jairinho era um parque temático para a teoria psicanalítica. Estudante do doutorado na escola de Engenharia, frequentava a cantina da faculdade de Psicologia porque não se identificava com os colegas e preferia, na hora de comer, ter um pouco de tranquilidade entre gente que considerasse normal, coisa que ele mesmo não era muito, de acordo com o senso mais comum. Vinha de traumas anteriores, problemas em casa, pai alcoólatra, casamento terminado, projeto de tese indefinido, meio hipocondríaco, um pouco de síndrome do pânico e doses moderadas de ansiedade, tudo temperado com um passeio variado pelo espectro autista, a depender do profissional avaliador. Aquele mesmo complexo a quem a Maria, por mais que parecesse, não pertencia.
Numa disputa pelo último refrigerante, pedido em simultâneo, a Maria cedeu ao homem desconhecido, mas educado e estranhamente interessante. O Jairinho, cortês ao extremo, não aceitou a cessão da estudante. Fez questão de que ela ficasse com a lata gelada. Iniciou-se uma disputa de cortesia, com cada um argumentando sobre as razões pelas quais o outro fazia jus à bebida. A pequena contenda terminou em risos. Dividiram o refrigerante, a mesa do almoço e trocaram telefone.
Ainda na mesa, descobriram-se vizinhos. Moravam na mesma rua, que ligava dois bairros próximos, torciam pelo mesmo time, simpatizavam com a mesma escola de samba. Maria causou no Jairinho a mesma impressão que causava geralmente nas pessoas que conseguiam arrancar dela algumas palavras. A inteligência arguta chamava tanto à atenção quanto a beleza física. Mas era marcante a disposição para ouvir. Nela, o homem educado e interessante despertou uma quase desconhecida vontade de conversar, coisa que não lhe era comum na vida.
Falaram-se uma semana depois. Show na praia em meio a um feriado e os poucos amigos da Maria tinham viajado, aproveitando a onda de calor para uns mergulhos na água gelada de Arraial do Cabo. Ela detestava água gelada e queria muito ir ao show.Interessada, Maria passou uma mensagem de texto pro Jairinho, tratado por ela respeitosamente de Jairo, perguntando sobre a disponibilidade do novo amigo para meter os pés na areia e ouvir música.
Encontraram-se. Assistiram ao show e foram felizes naquela noite e em muitas outras.
Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma história de amor. Ou não é só uma história de amor.
Não se tornaram namorados ou amantes, como eu talvez tenha feito supor, aqui sentado atrás da tela.
Não tiveram um tórrido encontro amoroso com a Maria tendo descoberto o verdadeiro amor depois de uma vida de silêncio, dedicada a ouvir pacientemente o que lhe contavam as outras pessoas, em geral carentes de ouvidos assim.
Também não avançou para um fim trágico, com o Jairinho tendo descarregado sobre a Maria as suas frustrações e complexos, num eventual drama radical que poderia inclusive passar por medidas protetivas e chegar ao feminicídio, esse mal terminal que tanto contamina a sociedade contemporânea, mas vem de passado distante, de um machismo cultivado ao longo dos séculos e hoje tristemente midiático e mesmo naturalizado por parte significativa da humanidade.
A Maria seguiu a vida. Hoje psicanalista de renome, não atende ao Jairinho por não conseguir desvincular a relação de amizade que mantem com ele da atividade profissional, o que “contaminaria” as sessões de análise, de acordo com sua própria e particular leitura.
O Jairinho tornou-se pesquisador de um importante instituto de tecnologia, carrega as experiências duras da vida, mas não sofre mais com elas ou por elas. Tem lá suas namoradas, mas segue solteiro. Esse trauma ele talvez não tenha superado.
Jura que jamais pensou em se casar com a Maria, que é a melhor amiga. Ela repete o mesmo mantra: O Jairinho???? Não!! Ele é um grande e especial amigo!!
Há quem duvide, mas já são tantos anos...
Hoje mesmo vão jantar juntos.
Maria avisou que vai levar um namorado para o Jairinho conhecer. É quase como apresentar para a família. Muito especialmente para o irmão mais velho.
Jairinho também vai levar uma namorada, a mais frequente ultimamente e por quem ele nutre carinho especial. A aprovação da Maria é parte importante no processo de superação do trauma matrimonial.
Tomara que dê tudo certo.
Eu acredito nos dois.
Rio de Janeiro, junho de 2024.
Cultura, Música e Economia Criativa: Motores de Inclusão e Prosperidade
No tecido social de uma sociedade, elementos culturais como música desempenham papéis multifacetados, que vão muito além do entretenimento. Além de ser uma forma de expressão, a cultura e a música promovem um senso de pertencimento e identidade, conectando indivíduos e comunidades em um nível emocional. Mas além disso, esses setores são motores poderosos de geração de emprego e renda, impulsionando a economia criativa.
É nesse contexto que a Cedro Rosa emerge como uma força transformadora no mundo da música. Ao certificar obras e gravações, a Cedro Rosa não apenas protege os direitos autorais dos artistas, mas também abre portas para que eles possam colher os frutos de seu trabalho em uma escala global. Essa iniciativa não só garante que os artistas recebam uma compensação justa por seu talento, mas também fortalece sua posição no mercado, permitindo que eles alcancem novos públicos e oportunidades de colaboração em todo o mundo.
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Enquanto isso, o portal CRIATIVOS! emerge como uma plataforma indispensável para aqueles que buscam explorar e expandir os limites da cultura e da criatividade. Por meio de suas publicações diárias, o CRIATIVOS! não apenas informa e inspira, mas também conecta os atores do setor cultural e criativo, proporcionando um ambiente propício para o compartilhamento de ideias, colaboração e crescimento mútuo.
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Em um mundo cada vez mais interconectado e impulsionado pela criatividade, a cultura, a música e a economia criativa se revelam não apenas como fontes de inspiração e entretenimento, mas como motores poderosos de inclusão social, afeto e prosperidade econômica.
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