Romildo Bastos, um personagem emblemático do mundo do samba – (1ª Parte)
Assim que saltei do ônibus em frente ao Portelão, Beto Branco ao meu lado cumprimentou alguém de forma estridente e pouco usual: Romildo, seu safado! E o cidadão ‘ofendido’ respondeu em forma de samba: "Beto, escuta essa aqui, que já-já vai ser sucesso no rádio". E cantarolou batucando na caixa de fósforo: "Ê fuzuê, parede de barro não vai me prender / Ê fuzuê parede de barro não vai me prender". E não demorou muito a profecia do sambista se confirmava com mais um grande sucesso na voz da Clara Nunes.
Meu amigo Beto Branco era uma figura daquelas desconcertantes, que falava duas vezes antes de pensar. Pós-graduado em porrinha, torcedor da dupla Fla-Flu (torcia para os dois) e um copo insaciável. Ele me apresentou Romildo, que eu já admirava a distância dos sucessos gravados pela mineira guerreira. E aquela foi uma das últimas disputas de samba enredo que Romildo participou na Portela. Chegava sempre nas finais com sambas belíssimos, mas não levava. Eram os tempos de um tsunami chamado Davi Correia que chegava, e bom de quadra, arrastava tudo. Romildo acabou se bandeando para a Mocidade e pouco depois emplacou, junto com Edson Show, o seu ‘Muambeiro’ na Escola de Padre Miguel.
Escute essa inédita de Evandro Lima e Romildo.
Um dia, página infeliz da minha história, fiz um retiro forçado num sanatório em Correias, Petrópolis. Naquele tempo não havia celular, e nem e-mail, claro. Solitário, cercado por cabeças distantes da minha e longe das noites agitadas, tentava fugir do entediante monólogo escrevendo aos amigos. Entre eles, Romildo. Passou o tempo, sai do sanatório, curado, e num certo sábado os amigos comuns Hugo Freitas, um embaixador de Mesquita, e Roque da Paraíba, um cabra bom, misto de fotógrafo e compositor, me levaram à casa de Romildo. O sambista nos recebeu efusivo e chamou a companheira dona Eremita para me apresentar: “Aí mulher, esse o Laís, que você achava que era minha amante”.
O constrangimento foi atropelado pelas gargalhadas. A confusão é justificada. A carta que enviei caiu nas mãos dela que, ao ver que o remetente era um tal, ou uma tal, Laís, explodiu. Desfeito o equívoco, tudo no seu lugar, fomos pro bar.
Escute Candeeiro, uma inédita de Romildo e Toninho Nascimento. A dupla é responsável por grandes sucessos da música brasileira.
Passa o tempo: madrugada de Carnaval, desfile do terceiro grupo na Avenida Graça Aranha. A Leão de Nova Iguaçu seria a última, ou penúltima a desfilar. Enquanto aguardávamos, pulávamos de bar em bar. A turma se calibrando para quebrar a tensão. Lá para as tantas, dia querendo clarear, Romildo tomado por uma onda de rabugice e mal humor (isso às vezes acontecia) disse que iria voltar para Recife e não queria receber ninguém da Baixada por lá. E repetia: “Se um dia baterem no portão da minha casa em Recife, eu mando ver quem é. É Hugo, é Roque, é Laís, é Evandro? Não conheço essa gente”. Só ele não gargalhava. Sério, parecia crer no que dizia. Desfilamos. Resumo: Leão ganhou aquele Carnaval e passou para o segundo grupo. No ano seguinte desfilaria na Rio Branco. E Romildo não voltou ao Recife. Hoje deve estar no céu bebendo com Beto Branco e vendo Clara Nunes cantar num palco de nuvens, além do luar, onde moram as estrelas.
“Iansã penteia os seus cabelos macios Quando a luz da lua cheia clareia as águas do rio Ogum sonhava com a filha de Nanã E pensava que as estrelas eram os olhos de Iansã”. (A Deusa dos Orixás – Romildo Bastos e Toninho Nascimento)
( Veja esse lindo programa da TV Maxambomba / Cecip sobre Romildo)
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