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SEGUNDA FEIRA



Voltou do samba sem voz, sem pernas, sem fôlego, mas numa alegria que não conhecia mais havia muito tempo.

A segunda feira chegava querida, esperada, como um filho, uma filha, um amor, um dinheiro inesperado, um prêmio. E nem teve rodada do Brasileirão...


O mundo continuava rodando. Parece que o bilionário comprou o Twitter, a Coreia do Norte segue desafiando a do Sul, a Rússia e a Ucrânia continuam sua guerra louca. Os russos são tão colonialistas quanto a maioria dos povos do norte, que por muito tempo nos dominaram. Não se pode confiar neles. Tá chovendo no Sul, onde tá rolando um frio fora de época que vem subindo perigosamente. Parece que tem uma perturbação atmosférica na Antártida que faz com que frentes frias cheguem aos trópicos em novembro.


Pensava nessas coisas que lia nos sites de notícia no smartphone para se manter acordado, depois de muita festa. Não tinha Uber. Foi de ônibus e não podia passar do ponto.

Fazia muito tempo que desejava estar feliz assim. Não tinham sido fáceis os últimos anos.

Tentara de todas as formas. Mas não tinha tido sucesso ainda.


Na igreja, onde buscara paz interior, foi bombardeado com uma estranha boa nova que envolvia a defesa das armas e o combate sem tréguas às demais religiões, em desacordo com tudo o que aprendera desde cedo sobre amor, tolerância e paz.


A família, refúgio seguro contra os resilientes males do mundo exterior, tinha se tornado um pastiche da guerra fria, com irmãos, tios, primos e outros parentes se cutucando permanentemente, tão logo identificassem comportamento ainda que levemente não normativo, incluindo aí posições políticas heterodoxas em relação ao modelo dominante ou flexibilização de costumes de qualquer natureza. O grupo de Whatsapp cheio de “bom dia” com musiquinha, já infernal mesmo, tinha virado um inferno literal de acusações de parte a parte. Nem fofoca tinha mais. E crescia o risco de um ataque físico, algo como um desembarque inimigo na casa de algum familiar e a eventual colocação de minas terrestres no quintal da Tia Elvira.

O escritório se transformara num campo inimigo. O chefe não admitia discordâncias e o assédio rolava solto.


Pessoalmente, não tinha feito uso de medicamentos e nem mesmo procurado ajuda psicológica, mas talvez fosse preciosismo. Deveria ter ido a algum terapeuta... E um Rivotril podia ter efeito benéfico, considerando o nível de estresse geral.

Mas era segunda feira, a tempestade tinha passado.


Tomou a primeira cerveja antes das sete da noite de domingo, quando a GloboNews anunciou a virada da chapa vermelha. Os números não eram definitivos e exatamente por isso exigiam que se preparasse o espírito para o bem ou para o mal. Quando o resultado definitivo saiu, quase às oito da noite, após apurados mais de 98% do total dos votos, já não sabia pra que lado ficava o norte. As cervejas iniciais tinham sido acompanhadas por doses fartas de cachaças mineiras variadas, os sessenta minutos tendo sido suficientes para muitas doses. Muitas mais do que seria razoável, incentivadas pela iminência de uma explosão de alegria, ainda que sob tensão permanente.


Saiu pro samba sem saber direito como. Dizem que houve beijos, abraços e que cantou até não aguentar mais. A garganta seca e sem voz agora parecia realmente testemunhar esses momentos, os mesmos que a mente insistia em não trazer de volta com detalhes.

Ainda bem que já era segunda feira. Dizem que fecharam estradas, estão esperneando, querem que os militares venham, dizem que foram roubados, esperam uma ressurreição em setenta e duas horas. Eles têm fixação com o terceiro dia.


Mas era segunda feira. O início de um tempo tão incerto quanto todos os outros, mas que começava lindo, solar, com os vilões da história lamentando a derrota.

O ônibus chegou ao ponto em que ele deveria descer. A cabeça doía um pouco. Excessos. Mas o que poderia ter sido mais excessivo que os últimos anos?


Agora talvez o Centrão venha pedir coisas. Talvez??? Os fundamentalistas religiosos devem aparecer, o pessoal das armas, do agro. Eles sempre dão as caras. Adesismo de resultados.

Entra em casa. Um paracetamol... Não, melhor, uma Neosaldina.

Quer saber? Melhor ir dormir com essa felicidade guardada.


Não vai ser fácil, mas seria muito mais difícil continuar afundando naquele pântano de dogmas medievais, naquela misoginia absurda e naquele discurso conservador com telhado de vidro. Naquela distopia amaldiçoada onde o cara família tem três casamentos e fala absurdos que não cabem nem na boca dos mais depravados; onde os honestos fazem rachadinha e homenageiam milicianos; os religiosos mentem e os pacificadores atiram nos outros.


Que bom que já era segunda feira. Nem tinha dormido ainda, tava tudo meio embaçado, mas as coisas hão de ser mais claras daqui pra frente.

Se toda segunda feira fosse assim...


Rio de Janeiro, novembro de 2022.


 

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