SqSIRA
Há muito tempo tenho matutado sobre a lucidez: é bom ser lúcido? É ruim? Ser lúcido é vantagem ou desvantagem? Não tenho respostas finais para essas perguntas, e acho pouco provável alguém que as tenha em definitivo.
Observo certa tendência a considerar a lucidez como algo positivo. Talvez seja, mas, feito tudo nesta vida, há um preço a ser cobrado, e, creiam, não é barato: o istmo entre a lucidez e a arrogância é bem tênue, e todo cuidado é pouco. Outro risco iminente é o de confundir a lucidez com impaciência e/ou intolerância e, estas, com a prática de julgamentos precipitados das pessoas e de situações ainda desconhecidas ̶ apontar o dedo, na grande maioria das situações, sempre será algo ruim e desaconselhável.
Além disso, a lucidez pode significar uma exposição máxima ao contágio da SqSIRA (sigla para Síndrome da Rabugentice Adquirida), doença incurável, amenizada apenas por meio do único tratamento possível: a solidão somada a doses constantes de comprimidos, xaropes e elixires de silenciato de silenciopam, tarja roxa.Sofro de SqSIRA crônica.
Apesar de cada infectado apresentar conjuntos diferentes de sintomas e de desenvolverem a doença de maneira peculiar, algumas características dos rabugentos-positivos são comuns: odeiam filas, especialmente as de supermercados, porque os infectados emitem odores somente detectáveis pelos caixas e, estes, quando sentem aquele cheiro meio amadeirado, meio envelhecido de alma rabugenta, logo acendem a malfadada luzinha e mandam alguém tirar a dúvida sobre preços ou resolvem, sem dó nem piedade, começar os repasses de numerários aos seus supervisores coniventes, geralmente acompanhados de sarcásticos sorrisinhos laterais (são pessoas perigosas: percebem os rabugento-positivos de longe) ̶ odeiam Ano Novo, pois sabem do nosso calendário impreciso e ninguém tem certeza de nada, ninguém sabe ao certo de nada, e carregam a nítida impressão de fazerem parte da turma numerosa de Zé e Maria Ruelas entupidos de álcool, acompanhados de suas músicas altíssimas, de seus fogos de artifícios (inclusive bem perto de seus ouvidos e do seu pet) e, bônus-track, ofertam abraços suados, derramam bebida na sua roupa novinha, noves fora a chuva de saliva quando engendram as felicitações tradicionais de final de ano; Natal é outra coisa problemática para os rabugentos-positivos, já que nutrem ojeriza máxima por Papai Noel, de sua fantasia ridiculamente inapropriada aos trópicos, e desconfiam se Jesus nasceu no dia e mês proclamados; aniversário de criança é algo do qual os rabugentos-positivos têm aversão absoluta e, mesmo em casos de aparentados, é desaconselhável o convite, por conta do pavor de imaginar as pestinhas correndo entre as pernas e gritando ininterruptamente em cada centímetro quadrado ao alcance da sua visão/audição; execram, asseverada e veementemente, quaisquer tipos de excursão, porque não se imaginam acordando às 3h30min do domingo para pegar um ônibus caindo aos pedaços ̶ saída marcada para às 5h em ponto, rumo à praia ou ao parque aquático distante ̶ aguentar a moçada animada enchendo a cara de manhãzinha, antes de chegar ao destino, batucando no teto, mexendo com os transeuntes por meio de piadinhas de péssimo gosto e, apoteose, testemunhar montes de abestalhados voltando no final da tarde, completamente trêbados e roncando a viagem toda.
Voltando à lucidez: ̶ Brrrrrrrrrrrrrrrrrrr...
Show em homenagem ao CLUBE DO SAMBA reúne grandes músicos, compositores, filhos e netos dos fundadores
Evento faz parte do longametragem, uma coproducão da Cedro Rosa e TV Cultura de São Paulo
Ultimos ingressos á venda (90% esgotado)
Escute aqui o repertório do show, o disco já está nas plataformas digitais.
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