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Foto do escritorpor Cedro Rosa

Série pro Aldir: Aldir e o tesouro escondido na caverna da infância

Luis Pimentel, para CR Zine.

Luís Pimentel, por Amorim.



Eu vou pro Estácio, mermão! Pensa que é fácil? Né não.

No tempo do lotação já era ruim, hoje então...

O samba foi gravado em 1996, no disco que comemorava os 50 anos do compositor. Quase meio século antes dessa data, ainda no tempo do lotação, o futuro grande cronista das ruas e dos bairros do Rio de Janeiro e poeta consagrado da MPB que o Brasil acaba de perder saboreava a inocência no bom e velho Estácio de Sá.


Viveu até os quatro ou cinco anos na Rua Santos Rodrigues, uma transversal (do tempo?) da lendária Maia de Lacerda – onde nasceu, se criou e viveu até morrer o não menos lendário Alceu, que era seu pai e também o Ceceu Rico de suas crônicas. Entre o Estácio, Vila Isabel, a Tijuca e a Muda correram, sempre margeando o Rio Maracanã, as veias de Aldir Blanc.


Há quem não se importe, mas a Zona Norte

É feito cigana, lendo a minha sorte.


Chegando aos cinco ou seis anos de idade, Aldir chegava também à Vila, de mãos dadas com a mãe, Dona Arlete, e com a mãe da mãe, Vovó Noêmia. À frente, indefectível maço de Lincoln num bolso e programa onde lia a sorte dos cavalinhos de corrida, o intrépido Seu Alceu. Tempos depois, o filho tentou esclarecer algumas datas e fatos daqueles dias, para um inventário de infância que escreveu em homenagem ao bairro do Noel Rosa, ouviu do pai a seguinte resposta:


– Como é que, a essa altura do campeonato, você quer que eu me lembre de uma merda dessas?!


Eu vim da Maia Lacerda

E essa merda faz parte de mim.

Taí minha herança, e dela não abro mão...


No bairro poético e boêmio, o menino foi morar na Rua dos Artistas, estava em casa. E numa casa com quintal cheio de árvores frutíferas – pertinho da morada do mestre Benedito Lacerda:


– Da minha casa, eu ouvia a flauta tocada na casa dele – contou, em depoimento ao jornalista Roberto M. Moura, um dos amigos mais queridos e perdidos, como Paulo Emílio Costa Leite, Marco Aurélio Bagra e mais alguns.


O quintal servia para reunir amigos e parentes em torno das panelas e dos pratos, do radinho de pilha contando o jogo do Vasco, então Expresso da Vitória (“Sabará na ponta direita do templo...”), das garrafas, muitas garrafas.


A poesia já morava ali, à sombra das goiabeiras, laranjeiras, bananeiras, mangueiras, dos pés de abiu, sapoti, limões-bravos; a boemia só veio em seguida.


Vim do botequim,

Chamaram por mim

Na manhã...


A infância na Vila, que o poeta descreveu como uma febre (“Vila Isabel é a febre de viver, que não passará enquanto eu respirar”) – pelo menos até os 13 ou 14 anos, quando voltou a morar no Estácio – desvenda o tesouro da caverna na obra do compositor.


Tá quase tudo lá, vem quase tudo de lá, e nada se perdeu ou foi desperdiçado: o “asmático rondando pelo corredor”, as hemoptises, os palavrões, as brigas e confraternizações em família, o amor desgovernado pedindo cama na rua, os feudos, as frases de efeito, as farsas e o futebol, os funcionários de plantão e os desempregados por opção, dentes estragados, os butecos com as declarações mais sublimes ou os desabafos mais escrotos:


Piada suja, bofetão na cara,

E essa vontade de soltar um barro.


Pensa que Aldir Blanc viveu só de brisa, melodia e poesia? Nada disto. Teve estudo, tudo certinho. Primário na Escola Municipal Barão Homem de Mello, ginásio no tradicionalíssimo Colégio São José, curso superior na Faculdade de Medicina e Cirurgia, com estágio no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro – como médico, claro. De poeta e de louco, ele teve muito mais do primeiro.


Nas letras de canções, nas crônicas, nos poemas Aldir cantou dos tesouros escondidos em cavernas da infância às dores e delícias da maturidade, sempre “apostando na juventude”, usando o humor até para se queixar das vicissitudes:


–Tá tudo um mar de merda, claro. Mas continuarei me recusando a mergulhar nele – me disse, num dos últimos telefonemas.


A porcelana e o alabastro na pele que eu vou beijar

O escuro atrás do astro na boca que me afogar

Os veios que há no mármore nos seios de Conceição

E desafeto mais paixão e porque sim e porque não.


Perdemos um grande criador. Perdi um amigo. A poesia perdeu um amante dedicado.


Luís Pimentel

 

Luís Pimentel é jornalista, escritor e compositor. Trabalhou em diversas redações de jornais e revistas, tem livros publicados em variados gêneros (romance, contos, poesia, infanto-juvenil e música) e é autor de canções em parceria com com Paulinho do Cavaco, Sandro Dornelles, Ernesto Pires, Luiz Flávio Alcofra e Jayme Vignoli, entre outros. Suas obras musicais tem sido gravada por grandes nomes do samba e da MPB. estão editadas na Cedro Rosa. Escute algumas destas musicas. Saudade dos Meus Botequins - em parceira com Paulinho do Cavaco. Link Spotify. Quando eu Vim de Lá, em parceria com Luiz Flavio Alcofra - Inedita. Link Cedro Rosa Que Tiro é Esse, em parceria com Léo Russo, em gravação de Edson Cordeiro - Link Spotify

 

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Editado pela Cedro Rosa.

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