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Foto do escritorLéo Viana

Velhas Amigas, parte 1






A única polêmica instalada no grupo precursor foi a escolha da sede. Ao final de acaloradas discussões, venceu a cobertura do Leblon, comprada especialmente para este fim, por Lana Krauss, uma das mais proeminentes dentre as diversas proeminências que compunham a confraria. Não foi difícil encontrar um corretor compreensivo na onipresente REMAX. Ela reconheceu os anúncios já vistos em outras partes do mundo. Também foi tranquilo convencer a imobiliária a aceitar o pagamento à vista. Tinha todo o tempo do mundo para parcelar a compra, mas o melhor era não entrar em detalhes.


A conferência anual das bruxas imortais acontece há milhares de anos. Nunca tiveram problema com a escolha das sedes, desde o tempo em se reuniram, sob a hospitalidade da própria Lana, na Floresta Negra original, muito maior que aquele parque restante hoje em dia no sudoeste da Alemanha. De maneira geral, inclusive muito por causa da forte perseguição que sofreram na Idade Média, em que muitas foram queimadas, já há mais de 800 anos não se reuniam no ambiente urbano. Antes alternavam anualmente, a fim de garantir a satisfação de todas as envolvidas, cada uma com gostos e manias sobrenaturalmente diferentes. De 1200 DC pra cá, no entanto, fixaram as reuniões em locais menos habitados por humanos, como florestas, desertos, áreas geladas remotas, altas montanhas, savanas ou ilhas isoladas. Locomoção nunca foi um problema. O mundo continuava fantasiando sobre aquela história das vassouras - que elas abominam - mas seus poderes sempre permitiram deslocamentos instantâneos e mais rápidos que o estado da tecnologia do momento.


Música instrumental de qualidade, na playlist do Youtube.


GinaPepi, feiticeira romana dos tempos áureos da cidade eterna, eterna como ela, aliás, foi uma das defensoras da volta às locaçõesurbanas. Era bruxa sim, mas tinha pavor de mosquitos. E aquela pele de porcelana que cultivava há milênios era muito sensível. Nem Calígula, seu amante mais frequente, em seu esplendor, ousou fazer brincadeiras mais agressivas com ela. Detestava marcas! O Brasil continuava significando, para ela, o desconhecido. De 1500 pra cá tinha visitado duas vezes, em conferências anteriores.


Entretanto a primeira, na Amazônia, foi antes da ocupação do território. Ainda se andava nu, o que ela achou um absurdo. Só entendeu depois de sentir durante uma semana o calor do que viria a ser Manaus, no futuro. Ao menos perto do Rio Negro (que na época também não tinha sido nomeado) não havia mosquitos. Na vez seguinte foram todas à caatinga. Gostou mais, mas era uma época atribulada, início do século XX, em que homens de chapéu, armas e chinelas volta e meia apareciam para ocupar um vilarejo, pra desespero da polícia, ou para dançar um xaxado, para desespero de quem não soubesse dançar. Pareciam bons homens, revoltados com a situação, mas o método era meio agressivo. Elas não se misturaram à população local, mas acharam boas as condições, apesar de uma certa escassez de água, que pra elas não era problema. Nem precisaram de transposição


Quando vislumbrou a possibilidade de nova incursão ao Brasil, rapidamente contatou suas amigas mais próximas, Wu Shing, Shirley Cross, ShannaManda, Kuela Zuri, Brigitte Marion, AkemiFumiko, Yelena Polina, Aisha Hana, Hadassah Blau, Csilla Bözsi e, claro, Lana Krauss. Fariam uma prospecção e convocariam a conferência para o ano seguinte, como faziam desde sempre. Formavam, juntas, a diretoria. Ou o que parecia um tipo superlativo de Sex and The City atemporal e místico, apesar das diferenças culturais. Eram influencers muito antes que isso virasse uma praga planetária. .


Samba-jazz e Chorinho, na playlist da Spotify.


Estavam muito interessadas nas coisas que vinham acontecendo no Novo Mundo, que elas tinham, aliás, carregado no colo. Shanna Manda, imediatamente lembrou do encontro com Vasco da Gama, na chegada à sua Índia natal. Foi ele quem disse que as navegações portuguesas os levariam ainda mais longe, quem sabe à descoberta de novos mundos. Ela já sabia, mas manteve o ar de surpresa. Sempre foram discretas. AishaHana chegou a insinuar uma hospedagem diferenciada no Egito, onde havia participado ativamente do planejamento das pirâmides e do loteamento do Vale dos Reis, mas se rendeu à possibilidade de uma festa mais tropical


As demais confirmaram rápido. Kuela Zuri, do Congo, e Csilla Bözsi, da Hungria, não perderiam nenhuma chance de visitar o Brasil. Kuela admirava o sincretismo religioso e Csilla tinha lido Budapeste e tinha muita vontade de conhecer o Chico Buarque. Ele inventara algumas coisas sobre a sua cidade... E ela tinha achado ótimo!


Coube a Lana a escolha do local. Depois de avaliações diversas, numa visita relâmpago, entendeu que as amigas gostariam de uma cidade com boa infraestrutura de lazer. São Paulo e Florianópolis despontaram como favoritas. Temperatura não seria problema no verão. A reunião no Vesúvio, em 1413, tinha sido um sucesso apesar da erupção. E a do Hawai, em 1502, foi um estouro. Com o Mauna Loa cuspindo lava fumegante sobre parte dos convidados. GinaPepi lembra de ter passado até um creme hidratante. A poeira, o calor e a água do mar ressecam a pele que é um horror, ela sempre lembra.


Músicas de preto no Brasil, na playlist da Spotify.


No final, por uma série de razões, o Rio de Janeiro foi escolhido. As belezas naturais e o povo naturalmente meio desligado pesaram a favor. A japonesa Akemi encantou-se inicialmente com o bairro da Penha e sua igreja no alto da pedra. Lembrava os templos japoneses. O entorno, com favelas hiper adensadas, remetia a uma caricatura do Japão super povoado na época de sua reconstrução no pós-segunda guerra.


No fim, entre feitiços e discussões, a opção foi pelo Leblon principalmente pelas características culturais do povo. Não se trata de uma opção pela capacidade intelectual, frisou a inglesa Shirley. Se fosse por essa razão, faríamos na UFRJ, completou. A questão, no caso, que talvez diferencie as pessoas entre as zonas norte e sul seja a questão da sociabilidade. No Leblon, de acordo com a pesquisa, é menos comum que se bata na porta do vizinho para oferecer ou pedir alguma coisa, o que garantiria maior privacidade ao evento. Gina, mais conservada que as demais, chegou a elaborar uma defesa que tratava da possibilidade, que considerava óbvia, de uma reunião de velhinhas ser vista como um evento corriqueiro no Leblon. Mas, mudou a linha de raciocínio a tempo de não provocar uma dissidência irreversível no grupo de bruxas. E uma provável onda maligna de feitiços em sua direção. Velhinhas???


O evento foi um sucesso! Foram à praia, beberam no Baixo Leblon, paqueraram sem pudor ou patrulha, fizeram excursões rápidas por diversos pontos da cidade e do Brasil. O teletransporte facilita muito a vida.


Acharam Brasília muito estranha, apesar da fama de sobrenatural, que lhes soaria familiar. Aquelas avenidas gigantes e a falta de gente nas ruas trouxeram lágrimas aos olhos de Yelena, a russa. Lembrou de crises com Stalin, que chegou a ser seu cliente, mas escolheu outro caminho e deu no que deu. Moscou deserta no inverno por razões óbvias e no verão porque Stalin não queria gente na rua.


Adoraram Salvador, claro. E ainda acompanharam um trio elétrico sensacional, com Gil e Caê. Riram juntas quando souberam, há pouco, que Gil agora é “imortal”, numa tradição brasileira. Brigitte, que entende mais de Brasil e sabe até que o edifício da ABL, no Rio, é uma cópia do Petit Trianon, de Versailles, explicou que ele não era bruxo. O fato é que tinha escrito coisas muito boas, que o qualificaram ao título de imortal. Bem diferente de outros que ocupam cadeiras lá. Levam muitas saudades daquele dia na Boa Terra. E umas fitinhas do Senhor do Bonfim, que foram amarradas quase à força em seus pulsos por uns trocados. Não adiantava argumentar que eram bruxas.


Papo com Leo Viana, Lais Amaral e Antonio Joaquim Aboim, com Tuninho Galante.

Por Dentro da Cedro Rosa, veja aqui, no Youtube!


Também foram muito felizes em Recife, mesmo com a Praia da Boa Viagem exibindo placas de “cuidado com o tubarão”. Não se arriscaram na água, mas o Galo da Madrugada... Ah, o Galo da Madrugada... Que coisa linda, aquilo. Brigitte remeteu imediatamente seus pensamentos aos grandes festivais que ocorriam na frente da Notre Dame, na velha Paris de 1400, sem metrô, sem trem, com porcos pelas ruas, mas sem turistas. Eram festas incríveis. Os camponeses vinhas de longe andando. Olinda também foi uma delícia.


Mesmo descendo e subindo ladeiras – nada que já não tivessem feito – foi lindo acompanhar os blocos e os bonecos gigantes. Com o controle da passagem dos anos nas mãos, foi bem fácil escolher a melhor época para visitar cada lugar, bastava um ajustezinho no espaço-tempo e lá iam elas ser felizes no lugar certo e, principalmente, na melhor data. Se esbaldaram com Garantido e Caprichoso em Parintins e, claro, fecharam o evento com o carnaval das escolas de samba no Rio, um festim de fazer inveja a qualquer coisa que tenham visto antes em termos de escala e beleza cênica. Custaram a crer que aquilo tudo fosse realizado por comunidades pobres da periferia. Elogiaram os profissionais e Lana, a mais saidinha, chegou a se infiltrar num carro alegórico. Não conseguiu conter a euforia e materializou-se num carro superpopuloso do Paulo Barros sem ser notada. A coreografia era simples e a alegoria nem perdeu pontos.


Ao final das discussões e dessa imersão cultural, que ainda incluiu botequins do centro da cidade, igrejas de todo tipo, onde descobriram que ainda há reminiscências da inquisição, atualmente mais nas igrejas não católicas, e centros de religiões afro-brasileiras, onde estranharam algumas tradições e a cara europeizada de alguns orixás, aparentemente convertidos ao catolicismo, mas gostaram do conjunto e encerraram muito contentes o evento, com a promessa de voltarem no ano seguinte e em menos de 100 anos depois, o tempo que praticamente levaram pra repetir a dose depois da reunião na caatinga. (continua na semana que vem...)

(continua ...)


Rio de Janeiro, maio de 2022.



 

Samba de Primeira.



Chora, Cavaco, aquela playlist de samba no Youtube.



 

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