Velhas e Novas Páscoas
Uma tradição cultural pode nascer das mais variadas formas, algumas laicas, outras religiosas. A Páscoa do Antigo Testamento, a Pessach, marca a saída dos israelitas do Egito, tem o significado de Passagem e é precedida de uma ceia. Tendo este dia sagrado, uma data móvel, coincidido com a Última Ceia dos cristãos, para eles a data passou a estar associada à Ressureição do Cristo. Nas tradições pagãs nórdicas a data coincidia com a festa que marcava a transição do inverno para a primavera, outra passagem, mas também um tipo de ressureição da natureza. O símbolo ovo, na sua passagem para pássaro, como os coelhos saindo de suas tocas do invernos e procriando intensamente são marcas deste ritual. O chocolate, este veio da América muitas centenas de anos depois.
Na cidade de Petrópolis, de forte influência alemã, portuguesa e italiana na sua origem, tradições dos antigos imigrantes se combinaram com velhas tradições brasileiras e portuguesas. Depois certamente, a presença de colégios de padres e freiras estrangeiros, deve ter adicionado mais algumas.
A filha mais velha de meus bisavós , imigrantes austro-italianos, que havia chegado no Brasil menina pequena, aqui casou com o filho de outros conterrâneos e anos depois voltou para o norte da Itália, já com dois filhos pequenos. Moravam na Suíça quando o marido faleceu e ela se estabeleceu com uma pequena fabricação de chocolate.
Não sei se isso quer dizer algo como ter aprendido a fazer chocolate com a mãe , minha bisavó, mas na casa de meu avô, irmão dela, sempre se celebrou a Páscoa como a data mais importante do calendário religioso. Natal e presentes, Papai Noel, eram coisas ignoradas. Presépio sim, árvore de natal, jamais.
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Na páscoa acorriam os meus pais e seus irmãos dispersos pelo Brasil, e junto com as irmãs moradoras em Petrópolis, celebravam juntos , após o jejum e procissões da semana santa, a retumbante Aleluia e o domingo de Páscoa, com missa, busca dos ninhos de ovos escondidos no jardim e o grande almoço de Páscoa, uma bacalhoada.Vejam vocês, o sincretismo do eclético programa.
As cestas dos ovinhos eram absolutamente iguais, cestas de palha retangulares e continham poucos ovos , cinco talvez , sendo 3 ovos cozidos pintados, um de chocolate e um de açúcar candi, algo que, felizmente, nunca mais vi. Muito enjoativos.
O preparo não era secreto para sugerir que eram obra de algum coelho. Pelo contrário, minhas tias, exímias desenhistas, passavam umas noites a pintar bucólicas cenas nas cascas dos ovos cozidos, paisagens rurais, animais domésticos , plantas etc. Algo verdadeiramente artístico a ser inapelavelmente triturado antes da hora de almoço do domingo de Páscoa. Haja criatividade para uso tão efêmero.
Verdade é que mais de 70 anos depois lembro até dos desenhos. Eterno é o que a memória guarda.
Nao via isso com frequência em outras casas, embora lá e depois na minha família, sempre tenhamos promovido a festa. Comentando o assunto com uma colega de trabalho, Verônica Richter ,filha de austríacos ,ela me disse-me que era forte a tradição na Áustria.
Anos após pude comprovar isso numa semana santa em Salzburg: lojas e lojas com ovos, árvores decoradas com ovos pintados ( sem o recheio) como frutos exóticos, algumas árvores douradas com arranjos fantásticos e também muito chocolate . Seria como se a cidade vivesse das memórias de Mozart, dos chocolates e , é claro, da memorabilia sobre a familia Trapp, contribuição hollywoodiana.
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Aqui em casa as coisas foram mudando ao sabor dos paladares e do marketing. As cestinhas tiveram que passar a ter os nomes de cada um porque uns passaram a querer os ovos Nestle, outros o Diamante Negro, outros o Bis, outros o Alpíno, outros o meio amargo da Kopenhagen e mais recentemente os maravilhosos da Cacau Show. Sylvia, minha fila, diz que descobriu que o coelho não existia ao reconhecer minha letra na identificação da sua cestinha, com a ,inha escrita usual em caneta tinteiro. As buscas se sofisticaram, As cestas viraram sacos impermeáveis à prova de formigas. Nada mudou , felizmente, quanto à explosão alegre de uma dezena de crianças, somada a de pais e alguns avós a procurar seus esperados chocolates. Entre chocolates e lembranças boas , alegres, tristes e outras que a idade traz, celebrei a minha páscoa da ressurreição. Que venha um ano novo melhor de paz, sem guerra estúpida, sem ódios institucionalizados , mais fraternal. É o que fica.
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Alquéres, gostei imensamente do texto. Eu não conhecia esse teu lado literário.