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Foto do escritorLéo Viana

VIDAS



Acordou cobra na segunda-feira. E cobra grande. Sucuri, Piton. A cobra não sabe exatamente onde ela está, nem quem ela é. Os animais de sangue frio se reconhecem por cheiros, sons, sinais e outros indicadores. Não são geograficamente orientados, não têm GPS. Mas as cobras ocorrem em localidades específicas. A maioria delas é endêmica de alguma região. As Pítons (gênero Python) vivem na África, Asia e Oceania.


Andam ocupando a América do Norte, mas por intervenção humana. Algum louco criador de cobras permitiu que milhares delas fugissem num daqueles furacões da Flórida e se espalhassem pelos Everglades, aquele pantanal deles. Já as Sucuris (gênero Eunectes), que o cinema quis eternizar como Anacondas, vivem na América Tropical, especialmente no eixo Amazônia-Pantanal. Mas o fato notável mesmo é que o Jurandir acordou cobra. Justo ele, urbano até o último fio de cabelo (e nem eram muitos mesmo...), apartamento no Méier entre o Salgado Filho e a Igreja do Imaculado Coração de Maria, perto do Jardim. E cheio de problemas de articulação, joelho bichado, alongamento zero, torcicolo quase permanente.


Acordou só coluna, super ágil, apesar do tamanho exagerado, se arrastando sorrateiro atrás de um bicho pra comer. Não sabia, mas era sucuri. Com a incrível discrição das cobras e aquela força titânica, apertou uma capivara até não dar mais e engoliu o bicho inteiro. Garantia de barriga cheia por semanas. O resto do tempo era espreguiçar em beira de rio ou dentro d’água. Rotina boa sob sol ou chuva. Eventualmente um pessoal fotografava e ele fingia que nem via. Mas não durou a vida de cobra.


Semana seguinte, o Jurandir acordou peixe. E peixe de mar. Peixe rápido, peixe esperto pra escapar de golfinho com fome, de rede de espera, de anzol com minhoca ou isca artificial. Vida de peixe não é fácil. No mar é todo mundo contra todo mundo. Vez por outra ficava feliz vendo uns grandões, baleias e tubarões-baleia, que mesmo sendo enormes, não incomodavam a sua turma, seu cardume. Alguns desses grandões só comiam algas ou camarõezinhos. Uma beleza. Pessoal legal mesmo. O que deixava o Jurandir-peixe meio cismado é que o Jurandir gente não sabia nem nadar. Ia à praia só pra tomar cerveja e sempre achou que devia vestir o colete salva vidas assim que entrasse na barca pra Paquetá ou Niterói. Vai que cai na água? Mas tava ali, peixe, escapando de todos que queriam devorá-lo e devorando uns menores. Não tem jeito. O mar é selvagem. Não sabia onde estava exatamente. Peixes também não têm essa orientação toda. Guiam-se pela temperatura da água, pelas correntes, pra fugir de predadores maiores ou em busca de comida. Não sabia se estava na costa da África ou das Américas. Ou ainda se na Oceania ou na Ásia. Na Europa não deveria ser porque a água era quente. Mas peixe não conhece geografia. E Jurandir estava peixe. O que não durou muito também. Uma semaninha só.

Na terceira experiência natural, veio árvore.


Crescimento lento, raízes bem fincadas na terra, árvore grande, franca, nascida de semente, cheia de variabilidade genética, cheia de informação. Sentia como se os pés tivessem mil anos. E talvez tivessem mesmo. Não viveu a situação toda, já se viu grande, mas carregava todas as épocas consigo. Tava tudo ali. Não via, mas sentia os anéis de crescimento, os galhos novos, a procura das raízes por água e nutrientes no solo duro. E os ninhos de pássaro, as colônias de insetos, as lagartas que comiam as folhas. Sentia até os fungos, líquens, bactérias, algas e vírus que se hospedavam nela. Trazia as marcas do tempo, sofria os galhos que faltavam, por vento ou corte. Sentia as cicatrizes, os corações e nomes desenhados por gente que chegava a seus pés. Lamentava não falar ou andar, mas ia longe com as raizes. Sentia os frutos saindo, cada qual com sua personalidade, um diferente do outro na carga genética das sementes. Vida de árvore é complexa. E dura muito, mas o Jurandir foi árvore pouco tempo.


Outra semana e acordou ave. E ave migratória, voando sobre o mar, onde já fora peixe, sobre as florestas onde já fora cobra e árvore. Puxava a fila, o Jurandir ave. Aquela fila dupla e grande em “v” que ajuda na aerodinâmica pra vencer longas distâncias. Jurandir puxava forte o ritmo, focado no objetivo. Sentia o papo cheio de quem tinha enchido o bucho antes de partir. Sabia que tempos melhores aguardavam, no Sul, quem sofria agora com o frio do Norte. Enquanto voava sonhava com os campos verdes, cheios de insetos saborosos, folhas tenras, grãos. Ah, o trópico. Vida boa de ave. Turma boa de conversa e pra viajar junto. Algum sofrimento nos ninhais. Vem cobra, lagarto, ave de rapina e montes de inimigos querendo comer ovos e filhotes mas, vencida essa etapa, a vida vira esplendor. Belas vistas, escolha fácil de locais de pouso, fugas espetaculares. Não tem tédio. Gosta até da vista das coisas criadas pela humanidade. As grandes cidades são perigosas, mas vistas de cima algumas são bem bonitas. E os barcos na água, as estradas, os trens. Medo só do que voa como ave sem ser. Avião é perigoso demais. Helicóptero também. Homem não voa. Voar é pra ave, morcego, inseto... O Jurandir ave é muito reflexivo. Quando avistou a grande lagoa, iniciou a descida. Os companheiros vieram junto. O pouso foi festivo. É assim todo ano. Tava nos cromossomos do Jurandir isso. Comida farta, água boa, amigos, família. Tudo igual, mas tudo diferente


E finalmente acordou gente, o Jurandir. Burocrata de uma repartição fazendária. No escritório perguntaram como tinham sido as férias. O Jurandir esboçou um sorrisinho. Tinham sido ótimas. Só não trouxe lembranças pros colegas. Nem fotos. Deu lá uma desculpa qualquer. E guardou o resto pra si mesmo. Umas escamas de cobra, outras de peixe, folhas secas, umas penas...


Rio de Janeiro, março de 2023.


 

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