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Foto do escritorLéo Viana

VIDINHA


Leo Viana

Vinha saindo do terceiro batizado no ano. E o terceiro como padrinho!


Desde garoto, criado no sítio da família entre canteiros de hortaliças e meia dúzia de vacas leiteiras, se imaginava Agrônomo no interior. O sonho acabou se realizando com requinte de detalhes. Vivia hoje numa cidadezinha de dois mil e quinhentos habitantes, pequenas propriedades rurais familiares, um banco, uma matriz católica, a praça em frente à matriz, a prefeitura, o escritório da empresa de extensão rural onde ele trabalhava e pouca coisa mais.


Passava a maior parte dos dias envolvido com os agricultores, especialmente em época de safra, ou de plantio, ou com os tratos culturais ao longo do ciclo das culturas. A atividade não dava muito sossego, mas compensava. Nunca teve ilusões quanto ao padrão de remuneração. Sabia que não ia ficar rico trabalhando na extensão rural. Buscou sempre a realização do sonho de menino, de compartilhar o conhecimento que trazia em si desde sempre e aquele adquirido nos anos da faculdade de Agronomia. A compensação era muito mais emocional e pessoal, um tipo de bem estar não mensurável pelos padrões quantitativos da perspectiva judaico-cristã ocidental. Ou oriental, setentrional, meridional, etc.


Nos últimos quatro anos, após ingressar no serviço, a vida tinha mudado muito. Saíra da vidinha de estudante, animada, mas nem tanto, era tímido e contido, para uma certa popularidade entre os agricultores e as mocinhas solteiras da cidadezinha. Uma decepção amorosa, ainda nos tempos da universidade, tinha tirado dele a disposição pro flerte. E depois, encarava seu trabalho como uma missão e não admitia o envolvimento com as filhas dos agricultores ou com quaisquer outras da cidade, sob pena de tirar o foco da atividade principal e eventualmente perder a alta confiança de que gozava junto às famílias que atendia. Acumulava afilhados entre os filhos dos agricultores. Vinha saindo - sabemos - do terceiro no ano. Muitos afilhados de casamento também. Nos fins de semana já quase não visitava os pais, visto que tinha criado, por força da atividade, uma grande família em seu entorno imediato.


Café musical, uma excelente playlist na Spotify.


Mas deu-se o problema. Numa semana comum de atividades, após uma demonstração do plantio e manejo de uma variedade nova de cebola desenvolvida pela empresa estadual de pesquisa agropecuária, um evento que é conhecido como "dia de campo" no jargão do meio, o Dito, nosso protagonista, sentiu o peso desses quatro anos sem qualquer envolvimento físico ou emocional. De qualquer forma, não havia a menor possibilidade de romper com seus princípios. muito próprios, de zelo profissional. A filha do Zezinho do queijo era linda e cursava Letras na cidade vizinha. A mais velha do Neco das ovelhas era uma moça espetacular, formada em Administração, e já tinha inclusive auxiliado o Dito em um de seus projetos de gestão de pequenas propriedades rurais. A caçula do Zico, produtor de brócolis, tinha sido eleita a mais bonita do clube local, antes de se formar em Agronomia e voltar pra ajudar o pai. E isso sem contar com as simpaticíssimas filhas do Joca do armazém, que ajudavam o pai na loja, dançavam nos bailes, ajudavam na igreja, moças esforçadas e inteligentes, mas que não escondiam uma certa vontade de sair da vidinha do interior. Todas solteiras, disponíveis e - ao menos aparentemente - dispostas a conhecer melhor o Dito. Sua estranha ética, no entanto, calcada em decepções, baseada em percepção pessoal e carente de validação social, o impedia de tomar iniciativas nesses caminhos.


Optou por uma solução tão simples quanto controversa.

Ninguém ignorava a luz vermelha que se acendia, fraca e bruxuleante, após a grande curva e bem ao lado da grande figueira, na estradinha que ligava a cidadezinha à estrada principal da região, que liga à capital. O local, naturalmente, era amaldiçoado por todas as famílias de bem da paróquia, ainda que secretamente, tanto quanto possível, frequentado por alguns dos figurões da vila.


Numa quarta feira, quando a vontade já não permitia resistir mais, esperou que o último estabelecimento da praça fechasse as portas (a padaria fechava às 20h...), olhou da janela do sobrado em que morava, ao lado do escritório, para certificar-se de que não havia mais ninguém na praça, aguardou mais um tempo por segurança, montou na silenciosa bicicleta por volta das dez da noite e tomou o rumo do cabaré.


O clima meio frio ajudou, involuntariamente, a montar um disfarce. O capacete e um pano em volta do pescoço tornavam a identificação quase impossível, ainda que ele fosse um personagem muito popular. Pensando, nessa hora, com uma parte do corpo que nem sempre dá as melhores orientações.




Chegou quieto ao local do "crime". Deixou a bike em local discreto, preparada pra uma eventual saída de emergência. Foi recebido com festa pelas meninas da casa. Há muito sua presença era aguardada. Era tido como um mito, o melhor homem solteiro da cidade, não saía com ninguém e também não frequentava a casa? Havia algo errado com ele? Ou com elas? Depois do choque inicial, bebeu uma dose de uma bebida suspeita, ficou mais contente, ameaçou umas abordagens mais incisivas, mas a vontade carnal mais intensa passou, quase milagrosamente. Não era isso o que queria. Com o movimento fraco, as meninas todas acorreram ao visitante ilustre. Desandou a contar histórias engraçadas, pagar bebidas, rir. Amanheceu o dia contando e ouvindo causos e se divertindo, sem no entanto tocar em qualquer das profissionais do lugar. Não foi o melhor dia para os "donos" da casa, mas também não foi o pior. As meninas não foram abusadas, como o eram cotidianamente, tristeza de vida. Dito viveu uma de suas melhores noites, sem cobranças, sem patrulhas, sem relatórios.


Pra desespero inicial dos donos, mas para gáudio das meninas, duas já se empregaram em atividades rurais, após indicações do Dito. A casa segue funcionando, ele frequenta, bebe, conversa e tornou-se amigo dos donos, que já cogitam mudar de ramo.


É padrinho de casamento de duas que abandonaram a "vida".

E está namorando uma veterinária, filha retornada de um agricultor amigo.

Vidinha que segue.


Rio de Janeiro, Janeiro de 2022.


 

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