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Vivendo no Limite


foto Walt Disney_Eleonora Duvivier

 

 

Walt Disney assim viveu.


O primeiro personagem com que teve sucesso foi tirado dele por seu distribuidor, o qual já tinha subornado os desenhistas da animação Disney para que trabalhassem para ele, distribuidor.


Quando Walt foi encontrá-lo em NY pra renovar o contrato, o distribuidor lhe deu a notícia da deserção dos desenhistas. Ofereceu pagar Walt para se juntar aos desertores e trabalhar também pra ele, pensando que Disney, sem seus desenhistas ou sem outra opção de trabalho, e também cheio de dívidas, não poderia recusar.


Disney, entretanto, virou-lhe as costas e tomou o trem de volta pra California, onde era seu estúdio.  Disso data a origem de suas palavras sagradas:


“Declarei minha independência; troquei minha segurança por auto respeito.” (I made my declaration of independence; I traded security for self-respect.)


De acordo com suas biografias, ele decidiu inventar outro personagem a que só ele próprio teria direito, pois que a partir de então só trabalharia para si mesmo, enquanto voltava para Los Angeles.  Disso data a origem de Mickey.


Mickey não foi um sucesso imediato, e para aqueles que não conhecem o assunto, sei que gostariam ler a estória épica sobre a luta de Walt Disney para que seu novo personagem fosse notado pelo publico.


Mas neste artigo, só quero fazer paralelos entre o que me referi como “palavras sagradas” e a confrontação com a morte, e a outros exemplos, como o discurso que Steve Jobs fez para os jovens que se graduaram na universidade de Stanford. E também ao personagem representado por Brigite Bardot, no filme “Deus criou a mulher” de Roger Vadim.  


Quando alguém é obrigado a encarar a iminência de sua morte, a ironia cruel é não se poder impedir avaliar fatos passados de sua vida, desse ângulo em que a sua própria aniquilação dá cabo de todas as ameaças que o assustaram naquele passado. O medo que havia sido obstáculo a que fizesse coisas que gostaria de ter feito, ou que lhe fariam sentir-se bem consigo mesmo, fossem o que fossem, lhe parece então absurdo.


Steve Jobs tinha isso em mente, quando disse aos graduandos de Stanford para que seguissem seu coração ao escolher suas carreiras, e nada teriam a perder com isso, “Pois vocês já estão nus!” (For you are already naked!) concluiu.


Jobs sabia bem que a relatividade da existência temporal, enquanto vivemos, cria a ilusão de haver outras coisas além de nossa integridade com que podemos nos agarrar. E quando devemos nos despedir da vida, a maior dor é o confronto com tudo cuja urgência falava por nossa integridade, e a qual demos segundo lugar.


Nesse momento crucial, se pode ver que esta é maior do que a própria vida. A pior dor, em outras palavras, é a consciência de termos dado primeiro lugar à nossa segurança, ou sobrevivência., pois quando se está perto do fim, essa própria sobrevivência aparece irrelevante, pequena e absurda.


Quanto à troca de nossa segurança por auto respeito- coisa tão difícil quando não somos forçados a encarar a morte- essa troca então aparece, por não mais podermos contar com segurança alguma, tão fácil quanto a sua urgência se revela óbvia.


As palavras de Walt Disney funcionam como uma prova da existência da alma, pois embora o valor ético da nossa relação com nós mesmos- do auto respeito que só essa relação pode engendrar- seja abstrato, Disney o revelou mais precioso do que a vida material ou do que a sua própria sobrevivência. E isso ele fez constantemente durante a sua vida.


Não é de se admirar que Art Linkletter tenha dito que “Walt Disney pulava no abismo e inventava asas enquanto caia!” (Walt Disney jumped into the abyss and invented wings on the way down!).


Sei que Walt foi capaz de colocar sua integridade acima de tudo porque vivia no limite, quer dizer, cara a cara com a morte. Podia assim dar a prioridade certa de tudo através de uma perspectiva diante da qual a maioria das pessoas se encolhe.


Saber que já se esta nu antes de chegar ao momento crucial que mencionei significa ter integridade, por isso também considero sagradas as palavras de Jobs sobre o estado de nudez que tanto se hesita encarar, “Pois vocês já estão nus!”


No filme “Deus criou a Mulher”, Vadim lança Brigitte Bardot como um personagem que também vivia no limite. Ela escandalizava homens e mulheres porque dormia com quem quisesse, não deixando que lhe escapassem oportunidades de sentir-se feliz no momento presente. Quando uma das mulheres que ameaçava lhe disse para ir trabalhar, ela simplesmente responde que trabalhava em se sentir feliz. No seu caso isso significava que trabalhava em ser honesta consigo mesma. Considerada imoral e indigna de qualquer respeito na pequena cidade onde se passa o filme, ela mostra integridade não só por se conhecer, mas por tentar impedir que um de seus apaixonados se case com ela, avisando-o que não consegue deixar de fazer o que quer pois que vivia como se fosse morrer no dia seguinte. Quer dizer, vivia no limite.


Integridade, com o autorrespeito que engendra, é aquilo que todos, ou quase todos nós, desejamos.


Só que nem todos querem viver no limite, pois nem todos querem trocar sua segurança por autorrespeito.


A não ser, talvez, quando já é tarde demais.

 

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