Walter Alfaiate, um sambista fino, feito sob medida para qualquer estação
Fui apresentado a Walter Alfaiate por Mestre Monarco numa daquelas noitadas maravilhosas no Lapases. Depois o encontrei no Bip-Bip algumas vezes. Em uma delas era lançamento de um livro. Se não me engano. O vi em outros lugares e em shows, sacodindo a Carola com a elegância e a simpatia de sempre. E claro, sem jamais negar a sua descendência e ligação com a nobreza do samba de Botafogo.
Walter iniciou no ofício que valeu o nome artístico, ainda criança e, logo-logo também já era compositor. Mas sua voz num disco, só quase aos 70 anos de idade. O sempre simpático e cortês senhor Walter Nunes de Abreu nasceu em Botafogo, bairro que amava, assim como tinha no peito um coração em forma de estrela. Se não tivesse ido embora há onze anos, esse apaixonado alvinegro e portelense de coração, completaria 91 anos nessa segunda-feira, dia 7. De todo jeito, Parabéns, ao Magnata Supremo da Elegância Moderna!
A passagem que me ajuda a incluí-lo entre os meus homenageados aqui na Criativos, aconteceu numa noite em que ele se apresentava no teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Me sentei no gargarejo para apreciar melhor a elegância do samba. A cada três, quatro sambas, Walter bebericava uma beberagem não identificada, definida por ele como um remédio que seu médico receitara para proteger as cordas vocais, em momentos de muito esforço. E assim o show transcorreu na maior interação com a plateia, com um sotaque coloquial, muito gostoso.
Terminado o espetáculo, e atendido o devido bis, eu me dirigi ao camarim. Queria falar com o homem. Cumprimentar e dar os parabéns pelo show. Aos pés da escada uma senhora me interpelou perguntando se era complicado ir ao camarim. Ela tinha uma sacola plástica nas mãos. Eu disse que não e que ela poderia subir comigo. Subimos. Chegamos lá e Walter Alfaiate nos recebeu como se já fossemos velhos conhecidos. Claro que perguntei sobre o remédio e ele, rindo, disse que era apenas um conhaque para aquecer as cordas vocais.
A conversa rolou ligeira e tranquila e aí a senhora sentada a meu lado entregou a Walter, a tal sacola que envolvia um desses potes plásticos. E foi logo informando ao sambista, que se tratava de ensopadinho de vagem com carne feito por ela, ao que ele agradeceu, sinceramente feliz, dizendo que era o seu prato favorito. A senhora confessou ter ouvido ele dizer isso certa vez. Walter sorridente agradeceu mais uma vez a iguaria e a senhora completou o encontro com uma história não menos saborosa:
- O Elton Medeiros, me falou que o senhor diz nos shows que gosta de ensopadinho de carne com vagem, só para o pessoal ficar sensibilizado em fazer para o senhor. Ele disse que o senhor tem preguiça de cozinhar e que a sua geladeira é cheia de potes com ensopadinho de carne com vagem, que ganhou das fãs.
As gargalhadas eclodiram como tivéssemos numa roda de amigos. E a história foi contada com tanta naturalidade e simplicidade que era impossível negar a sua veracidade. Depois de mais alguns afagos de parte a parte, nos despedimos. Depois disso não vi mais o Walter. De vez em quando ele faz uma visita às minhas lembranças, com aquele sorriso imenso, aquela elegância ímpar. E quando como um ensopadinho de carne com vagem, até chego a perceber sua presença.
“Pra quem chegar agora e ouvir a minha história
Meu samba tem a honra de anunciar
Sou a estrela solitária
Botando fogo no crepom azul do mar”
(Botafogo, Chão de Estrelas – Paulinho da Viola/Aldir Blanc)
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